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Vivendo sob a cartilha mercantilista de Trump (Kusca, F-84)
17/03/2018 - Por marcos sawaya jankAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Trump
ameaça o mundo com um neomercantilismo rude e primitivo, que deve nos
prejudicar.
A decisão dos EUA de sobretaxar de forma
horizontal as importações de aço em 25% e de alumínio em 10% por motivo de
“segurança nacional” representa imenso retrocesso no sistema multilateral de
comércio, criado no pós-guerra do século 20.
A
reação do mundo a essa decisão —de duração ilimitada e típica de períodos de
guerra— foi imediata. Além de recorrer à OMC, que se mostra cada vez mais
debilitada como órgão regulador do comércio, vários países
ameaçaram retaliar os EUA: a Europa falou em taxar o uísque bourbon,
o jeans Levi’s e as motos Harley-Davidson; a China ameaçou taxar o carvão, a
soja e o sorgo americanos, e por aí afora.
Engana-se
quem acha que o Brasil vai sair lucrando numa eventual escalada global de
retaliações. Em briga de elefantes, quem sempre apanha é a grama. Na troca de
tiros de bazuca entre os grandes, quem definitivamente lucra são setores
ineficientes, como o aço americano. Mas o resultado líquido para o mundo tende
a ser negativo, tanto em comércio como na expressão das vantagens comparativas,
já que o balcão do protecionismo pode se abrir em todos os países, agora com o
codinome “segurança nacional”.
Ilude-se
quem acha que o Brasil vai ganhar só porque a China disparou ameaças de
retaliação contra a soja americana pela mídia. Na segunda passada (12), Patrick
Yu, presidente da estatal COFCO, a maior empresa do agronegócio do país
asiático, disse que o suprimento de soja americana é fundamental para o
consumidor chinês, salientando a forte complementaridade entre os dois países e
o elevado interesse de investidores chineses nesse segmento nos EUA.
A
China não tem interesse algum em retaliar um país com o qual mantém um
superávit comercial de US$ 375 bilhões ao ano, e que hoje lhe pede compensações
que reduzam essa cifra em US$ 100 bilhões. O que a China realmente quer – e
sabe fazer melhor do que qualquer um há milênios – é negociar o impasse com
estratégia e firmeza.
Em
colunas anteriores na Folha (18/02/17 e 25/11/17), eu já havia alertado para o
risco de uma nova era de mercantilismo extremo. Infelizmente o risco agora se
concretiza, e há sinais claros de que o Brasil tende a perder mais do que pode
ganhar. Pressões recentes dos Estados Unidos sobre a China, o Japão,
a Coreia, o México e outros 12 países com os quais o país detém déficits
comerciais acima de US$ 10 bilhões já estão gerando barganhas
e compensações em detrimento do Brasil. As primeiras vítimas são o açúcar,
o etanol e a carne de frango, além do aço.
Esta
é a realidade nua e crua: para preservar uma indústria envelhecida, que perdeu a
sua competitividade há décadas, Trump ameaça o mundo com um neomercantilismo
rude e primitivo.
Nos
últimos dias, correu em Washington a notícia de que Trump pretende propor uma
cartilha para definir os “aliados” dos Estados Unidos que mereceriam isenção da
sobretaxa do aço. Ela seria composta de diretrizes como a comprovação da
aplicação de medidas de defesa comercial, a participação em um fórum global
sobre excesso de capacidade de produção de aço, a aceitação de uma cota anual
baseada nos volumes históricos de comércio e uma parceria com os Estados Unidos
na área de segurança global. Trata-se da cartilha de uma nova “lei da selva”
que separaria ganhadores e perdedores de forma arbitrária e maniqueísta.
Mas
o que mais surpreende é que as restrições vão frontalmente contra o interesse
dos usuários e consumidores finais de aço dos EUA, muito mais numerosos e
relevantes do que a indústria protegida. Vão também contra o interesse das
empresas transnacionais americanas, altamente globalizadas graças às normas do
sistema multilateral de comércio que os EUA ajudaram a criar e defenderam
arduamente ao longo dos últimos 70 anos. Irônico e triste.
Marcos Sawaya Jank (Kusca;F84) é
engenheiro-agrônomo e especialista em questões globais do agronegócio. Escreve
aos sábados, a cada duas semanas no caderno de Mercado da Folha de São Paulo.
Ex Morador da República Kbana
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno
Mercado, 17/03/2018