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Um novo mundo para as commodities?
28/06/2018 - Por haroldo josé torres da silvaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Haroldo José Torres da Silva[1]
Participei, em junho, em Buenos Aires, do Congresso Mundial de Agronegócios organizado pelo IFAMA (International Food and Agribusiness Management Association). Foram diversas discussões e apresentações envolvendo a segurança alimentar sustentável, com ênfase nas inovações disruptivas. Em contrapartida, fiquei me questionando sobre as oportunidades e desafios que teremos para agronegócio brasileiro, o qual compartilho com vocês neste artigo.
Algumas projeções indicam que os preços reais das principais culturas agropecuárias podem subir até 100% nos próximos 30 anos. Temos observado diversas mudanças nos mercados financeiros internacionais, bem como o aumento no preço do petróleo e inúmeros problemas climáticos que assolaram as safras agrícolas. Esse cenário mobiliza duas questões: i) a era dos alimentos de custo baixo acabou? e ii) o novo ciclo de commodities será marcado por intensa volatilidade?
Num primeiro momento, esse cenário pode ser preocupante, principalmente quando dados do Banco Mundial mostram que os alimentos representam quase 45% das despesas domésticas da famílias no Quênia, 35% na Índia, 25% no Brasil, 14% na França e 6% nos Estados Unidos. No entanto, gostaria de destacar três oportunidades para o Brasil no fértil campo da agricultura e algumas perspectivas.
· O crescimento populacional, o aumento da renda per capita e as mudanças nos padrões de consumo irão provocar um incremento recorde na demanda por alimentos. Atualmente, a população mundial é de cerca de 7,6 bilhões de pessoas, ao passo que esse número saltará para 9,8 bilhões de pessoas em 2050, de acordo com o Departamento de Serviços Econômicos e Sociais das Nações Unidas. Tem-se um cenário de expansão na demanda por alimentos para os próximos anos, por outro lado o agronegócio precisará atender novas exigências alimentares, utilizando menos recursos e tecnologias de baixo impacto ambiental;
· O sul e sudeste asiático concentram mais da metade da população mundial e têm limitações de recursos naturais para a ampliação da sua produção de alimentos. O Brasil está posicionado de maneira única para atender essa demanda, tanto em expansão de área quanto em incremento de produtividade e inovação financeira;
· Os fundos soberanos (Sovereigh-wealth funds - SWFs), a exemplo da China e Arábia Saudita, aumentarão os investimentos e estarão mais presentes nas cadeias de suprimentos da América Latina. O número de fundos para agricultura se multiplicou em cinco vezes nos últimos dozes anos. Esses investimentos têm seu objetivo financeiro materializado pelo ROI (Return on Investment), mas encontraram na agricultura uma fonte estratégica para o longo prazo, isso significa que uma maneira de garantir a segurança alimentar é controlar a produção. Projeções indicam que esses investimentos triplicarão até 2030, chegando a US$ 200 bilhões, excluindo-se investimentos em ativos florestais.
Temos um cenário promissor. Entretanto, os desafios são enormes e seria uma pretensão elencar todos os obstáculos que o agronegócio brasileiro precisa transpor. Gostaria de destacar cinco pontos, a saber: i) aumentar a eficiência na logística e nas cadeias de suprimento para reduzir o desperdício de alimentos; ii) ampliar o investimento em pesquisa e produção agropecuária; iii) fortalecer as agências de desenvolvimento e crescimento econômico, no combate à corrupção e na melhoria da governança; iv) construir uma rede colaborativa entre os agentes das diversas cadeias do agronegócio brasileiro com vistas ao incremento de competitividade e v) ampliar a difusão de tecnologias existentes para os pequenos e médios produtores.
Precisamos corrigir os nossos problemas e manter o olhar atento para as perspectivas futuras. As tendências de consumo, os recursos e os investimento vão reestruturar a produção e os mercados agropecuários, isto é, onde produzimos alimentos, como os produzimos, quem os controla e como são comercializados. Neste cenário, tanto o risco quanto o retorno serão alavancados, fruto do incremento da complexidade dos processos e da competição na agricultura.
A economia global foi marcada no período recente por superabundância de liquidez, mas com baixos rendimentos. Será que o novo ciclo de commodities será caracterizado por maior volatilidade e maior rentabilidade? A única certeza é que a instabilidade e a inovação serão características marcantes dos próximos anos. Estamos passando da disponibilidade para a sustentabilidade de como usamos e gerenciamos os recursos naturais, os processos de produção e o nosso próprio estilo de vida. No entanto, as mudanças são ainda maiores e envolvem maior ênfase nos "bens públicos" e pressões por uma governança global.
As maiores empresas mundiais saíram de um processo, essencialmente, industrial para uma disruptura tecnológica, a exemplo da Apple, Alphabet, Microsoft e Facebook. Nessa linha, o próximo impulso para a produtividade agropecuária estará ancorado em tecnológicas que envolvam o uso de Big Data, blockchain, IoT (Internet of Things) e Inteligência Artificial.
Apesar da instabilidade mundial, é preciso continuar inovando para explorar além da antiga geografia e explorar novas tecnologias para alimentar um mundo cada vez maior. Estamos reequilibrando o eixo global de poder, produção e posicionamento dos mercados, além de reinventar as tecnologias e os sistemas de produção. Portanto, o nosso futuro alimentar será o nosso futuro global. Resta saber se estamos preparados para um novo mundo das commodities agropecuárias e se saberemos aproveitar essa oportunidade histórica única.
[1]Economista pela Universidade de São Paulo e mestre em Economia. É doutorando em Ciências (Economia Aplicada) pela ESALQ/USP e gestor de projetos do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas - PECEGE.