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Rituais de Passagem (Pingado F87)

12/02/2016 - Por cláudio luiz dias
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Tenho andado por aí e visto ou lido sobre muitos rituais de passagem.

Em culturas distantes, os meninos e as meninas são testados em coragem e resistência. Para algumas etnias amazônicas há o ritual da formiga tucandeira, onde o garoto põe a mão em uma luva cheia de formigas cuja forte dor da picada demora 48 horas ininterruptas.

Há o ritual da menina moça, em que ao iniciar a menstruação, seus cabelos são arrancados fio a fio até ficar totalmente careca. A menina fica então confinada na oca aprendendo a ser mãe e esposa.  Quando os novos cabelos crescem, então ela é mulher e está pronta para casar.

Na África, garotos e garotas ao atingir certa idade pulam ou andam sobre vários bois posicionados lado a lado. Cair entre eles pode ser a morte.

Entre os nativos norte-americanos, algumas tribos praticavam um rito onde a pele do peito dos jovens guerreiros era trespassada por espetos e repuxada por cordas. A dor e o sangue derramado eram, dessa forma, considerados como uma retribuição à Terra das dádivas que a tribo recebera até ali. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Rito_de_passagem).

Para nós, olhando de fora, estes rituais parecem brutais ou  sem sentido.

Na nossa cultura acho que é mais fácil pensar no baile de debutante da menina de 15 anos ou na festa de casamento (só isto justificaria aquele gasto enorme no vestido de noiva e Buffet...!!).

Muitas vezes, durante rituais de passagem, a pessoa troca de nome, representando que aquela identidade que assumira até então, não mais existia - ela era uma nova pessoa. 

Lembro-me do pugilista norte americano Cassius Clay que se tornou Mohamed Ali ou do ator brasileiro Marcos Palmeira que foi morar dois meses entre os índios da Aldeia Xavante São Marcos, na Terra Indígena de Parabubure, em pleno Mato Grosso. Durante a festa tradicional que celebra a passagem dos meninos adolescentes para a juventude,Marcos participou dos rituais como se fosse um deles, com os sacrifícios e as provações e depois foi batizado com o nome xavante Tsiwari, que significa "sem medo"."

Mas todos  estes rituais tem pontos em comum, seja na tucandeira, seja no casamento.

Servem justamente para marcar a passagem de uma fase para outra na vida da pessoa. E mais, serve para mostrar que a fase anterior já passou, não volta mais, e a pessoa está apta, preparada para os desafios na nova fase.

Outro ponto comum e importante é a presença de padrinhos. Os padrinhos estão lá, lado a lado com a pessoa que vai se submeter ao ritual. Padrinhos bebem, dançam e cantam com os moços para lhes dar coragem. Vem-me na mente uma festa de despedida de solteiro....

 Mães, tias, avós confortam  a garota ansiosa e até ficam confinadas com elas.

Comecei a pensar nisto depois do Xurras dos ex-moradores da  Republica Coração de Mãe  em 2015, quando soube que membros do corpo docente da ESALQ estavam reprimindo os trotes.

Se forem  de fora da nossa cultura, estes rituais parecem-lhes brutais e sem sentido.

Mas o trote é um ritual de passagem. Garotos e garotas, alguns ainda na adolescência, deixam suas casas, seus amigos, seus professores de colégio que o conheciam pelo nome,  para cair numa vida em que tudo vai mudar. É preciso coragem...

É preciso saber que os limites não serão impostos pelos pais, mas não saber  a dosagem entre diversão e excesso pode ter  consequências graves.

O trote une a turma que entra.  A historias vivenciadas em conjunto vão ser contadas anos após ano, quinquênio após quinquênio (sei do que estou falando pois em 2017 completaremos  30 anos de formados).

Do mesmo modo,  o ralo une os moradores recém-incorporados à República.  E moradores e ex moradores vão tecendo esta irmandade.

Mas os "doutores" tem que ser padrinhos. É isso que os "seres" de fora da nossa cultura devem entender. Os Docs são padrinhos, não carrascos. Carrascos, que levam a lesões corporais, psicológicas  e em casos mais graves, a morte como todo ano vemos no noticiário, devem ser banidos da nossa sociedade. De qualquer sociedade.

Na minha passeata de bichto, bebi tanto que nem sei como cheguei ao CALQ. Mas de lá um doutor nativo, vendo meu estado, me levou pra casa dele, mesmo eu estando vestido com uma camisola vomitada de vinho barato, com um cartaz fazendo  alguma menção a ser ou não  Puta e os pais dele sendo de uma religião ultra conservadora. Dormi, jantei e fiquei em condições de ir ao Baile do Bicho. Isso foi um padrinho....

A  FUVEST já passou e o dia da matrícula deve estar chegando, com uma safra nova de seres prestes a descobrir um novo mundo, e necessitando compreender que daqui pra frente,  tudo vai ser diferente. Ou seja, eles PRECISAM de um ritual de passagem. Eles precisam de um novo nome.

Então, para os "doutores" de hoje,  bom trote, bom ralo, estejam juntos, bebam juntos. Sejam padrinhos!


Claudio Luiz Dias (Pingado F87) E Ex Morador da Casa do Estudante e Agregado da Republica Coração de Mãe

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