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Religião (Pinduca F68)
12/01/2015 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

O Menino havia sido educado na religião católica, batizado e
crismado ainda bem novinho. No terceiro ano primário, vieram as aulas de
catecismo e a Primeira Comunhão, aos nove anos de idade. A partir daí a obrigatoriedade da missa aos
domingos, o que era cobrado e contabilizado pela professora na segunda feira, e
a recomendação de confissões e comunhões, se não semanais, pelo menos mensais.
Em último caso, participação na Páscoa anual, onde a confissão e a comunhão
eram obrigatórias. Esta havia sido a opção do Menino, que só voltou a comungar
quase um ano após a Primeira Comunhão.
Mas tudo lhe parecia muito confuso : a necessidade de
confessar-se com o Padre, ao invés da possibilidade de compartilhar com alguém
suas duvidas e problemas, lhe havia sido impingida como a obrigação de se
reconhecer pecador e submeter-se ao castigo e às penitencias. Isto não fazia
sentido, em seu entendimento, e nas rápidas conversas com os colegas (pois não
se atrevia a questionar a religião com adultos, familiares ou não), não
entendia a postura de quase todos eles :
- É bom confessar, assim você fica livre para pecar de novo,
sem risco de ir pro inferno!
O Menino não sabia o que era fisiologismo, mas se soubesse,
rotularia esse comportamento como absolutamente fisiologista.
Mas o pior era ir à missa : alem de ser em latim, que
ninguém entendia, não lhe havia sido mostrado o por que de cada fase da missa.
Não lhe havia sido explicado o caminhamento da missa até o seu final, passo a
passo. Ele apenas sabia que ir à missa era submeter-se a uma sucessão de
sentar-se, ajoelhar-se e se erguer, repetindo como um papagaio o que alguns
decoravam e responder como um retardado ao que lhe era perguntado, enquanto lá
fora o sol brilhava e tudo acontecia.
Mas a sua rebeldia foi por absoluto engano. No meio de uma
missa, pensando em tudo, menos na missa, tentando não olhar para as garotas ao
redor para não se ausentar ainda mais, o Menino repetia os gestos dos
circundantes, como um robô. Num determinado momento, estando de joelhos, ao
levantar-se, o Menino pensou que a missa havia terminado : ergueu-se, fez o
sinal da Cruz, saiu do banco e foi-se embora, pelo corredor central da igreja
de São Geraldo, sob o olhar atônito de seus amigos e o murmúrio de reprovação
dos mais velhos. Ao se dar conta de que a missa não havia chegado ao fim, o
Menino teve que tomar uma decisão : reconhecer o deslize, roxo de vergonha, e
voltar ao seu lugar para os minutos finais, ou assumir o aparente ato de
rebeldia e ir embora sem olhar para trás. Um pouco pela vergonha e outro tanto
pela lucidez de não saber o que fazia ali, a decisão foi de ir embora, e ele nunca
mais voltou a uma igreja para assistir a uma missa.
Talvez isso lhe faça falta um dia, mas não o impediu, até
hoje, de uma convivência bastante cordial com Deus. Não com os padres.
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro