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Primeiro Emprego (3) (Pinduca; F68)
06/12/2015 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

PRIMEIRO EMPRÊGO III
A boa convivência com o Comandante A. durou pouco, pois ele
logo saiu para outra companhia e depois para a EMBRAER, para ser piloto de
provas do Ipanema, primeiro avião agrícola nacional ainda em projeto naquela
época. A aviação agrícola era bem assim naquele começo : faltavam aviões,
faltavam pilotos, faltavam técnicos especializados, era um verdadeiro leilão,
ganhava quem pagava mais.
Nessa época, a empresa já contava com um gerente
operacional, o Comandante G.. Piloto aposentado, sua carteira de piloto
comercial era de numero 37, uma das primeiras do Brasil. Sua experiência era
enorme, mais de 30.000 horas de vôo, boa parte delas nos lendários
Constellation da Real/Aerovias, quadrimotores que faziam as linhas de Nova York
e Tókio. Sua passagem pela companhia, contudo, foi curta, pois um acidente na
Anhanguera o tirou de circulação logo no fim das aplicações na Mogiana. E um
infarto o levou durante a recuperação do acidente. Mas seu profundo
conhecimento dos segredos da aviação e dos meandros da alma humana, em
particular dos pilotos, foi em parte absorvido pelo Agrônomo, assim como sua
paixão pelo tango.
O Agrônomo permaneceu nessa firma por um ano mais, contra
tudo e contra todos : os únicos salários que recebeu foram os três primeiros,
como estagiário, graças ao Comandante G. Dos demais, nem sinal, assim como da
carteira profissional, nunca assinada : foram um ano e meio de previdência
perdidos. Mas o Agrônomo aprendeu muito, formalmente graças ao curso de
coordenadores em aviação agrícola que fez na Fazenda Ipanema, e informalmente,
graças aos serviços que tinham que ser executados, fosse a praga qual fosse,
fosse o avião qual fosse, com este ou aquele piloto, operando de pistas
asfaltadas ou de estradas de terra.
Como a última missão, mesmo já estando desligado da pequena
empresa, que foi extremamente curiosa. Uma pequena lagarta estava dizimando uma
plantação de eucaliptos da Champion Celulose em Aguaí, interior de S.Paulo. Era
o reflexo, já naquela época, de um desequilíbrio ambiental, pois em poucos
meses foram derrubados milhares de hectares de cerrado nativo para o plantio da
floresta. A lagarta, tendo alimento à vontade (o eucalipto) e sem inimigos
naturais que a perturbassem (aniquilados pela derrubada e pelos preparos de solo),
multiplicou-se de maneira espantosa. Eram centenas delas por metro quadrado,
com uma característica interessante : elas não se alimentavam das folhas do
eucalipto, mas dos talinhos das folhas, que ao serem devorados derrubavam
folhas e lagartas no chão. Uma vez no chão, as lagartinhas subiam de novo pelo
tronco da árvore para comer outro talo, que derrubava outra folha, e assim por
diante. A desfolha estava impressionante, no silencio da floresta escutava-se
aqui e ali o ruído das pragas caindo, como uma chuva.
Havia muita pressa, pois as folhas mais atacadas eram as
mais novas, no topo da planta. Em poucos dias elas desapareceriam e o eucalipto
teria perdido sua gema apical também, provocando rebrotes laterais de galhos,
que inutilizariam a planta pela queda de qualidade das fibras. Uma pequena
faixa aplicada numa bordadura mostrou que a pulverização com toxafeno+DDT era
muito eficiente : horas depois da aplicação o ruído da queda das lagartas era
muito forte, parecia um temporal caindo nas folhas secas, e as lagartinhas não
voltavam a subir. Mas havia dúvidas : como fazer a sinalização para orientar o piloto
nas passadas, dentro de um maciço de quase quinze metros de altura? Bambus com
bandeirinhas brancas não funcionaram, pois não tinham altura suficiente.
Pensou-se em bexigas de borracha amarradas por barbantes, mas o gás hidrogênio
para enchê-las teria que vir de Campinas, teste só no dia seguinte. O que
também não funcionou, pois o vento inclinava o cordão, deslocando as bexigas do
alinhamento. Optou-se, então, pelo uso das bexigas e do bambu, reduzindo o
tamanho do cordão, limitando sua deriva. Tudo testado e funcionando, avião
calibrado, nova surpresa : o xilol, solvente do inseticida, era altamente
corrosivo à borracha das bexigas, fazendo com que elas estourassem ou
murchassem após poucos minutos de exposição às gotas pulverizadas. Uma
verdadeira operação de guerra foi montada, com uma central de enchimento de
bexigas bem no meio da floresta. De lá o Agrônomo as distribuía com sua kombi
pelos carreadores, aos ajudantes dos bandeirinhas que as amarravam nos bambus,
a cada carga aplicada. Enquanto o avião era reabastecido, todas as bexigas eram
renovadas, vôo a vôo, até o escurecer. E foi assim por mais de uma semana de
trabalho.
E foi assim que o Agrônomo passou o dia em que o Brasil
jogava com a Inglaterra, na copa de 70. Nem deu para ficar nervoso pelo um a
zero tão sofrido, gol de Pelé num passe de Tostão. Mas a plantação de
eucaliptos foi salva.
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro