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Plantio Direto no Semi Árido Nordestino? (Pinduca F68)
09/09/2015 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

Nos seus mais de 30
anos de história no Brasil, o Plantio Direto teve uma trajetória já bem
conhecida por todos aqueles que acompanham a nossa agricultura, sendo
responsável por um grande salto qualitativo na forma de se cultivar a terra.
Economia, praticidade e maior envolvimento e sutileza no resolver os problemas
do dia a dia andaram lado a lado com maior respeito ao meio ambiente e a
preocupação com a sustentabilidade dos processos produtivos, trazendo benefícios
não só aos agricultores, mas também e principalmente à sociedade em geral.
Nesta
trajetória o Plantio Direto se disseminou por quase todo o país, seja nas áreas
subtropicais ao Sul, seja
Em
alguns destes bolsões a mudança está a caminho e a passos largos. O Estado de
São Paulo, por exemplo, em 3 anos passou de menos de
Há
locais, todavia, onde apesar de existirem pesquisas há vários anos, o Plantio
Direto enfrenta sérios questionamentos, como é o caso do Sertão Nordestino.
Nesta região, caracterizada por chuvas muito escassas (de onde vem o nome de
Semi Árido pelo qual é conhecida), aparentemente se anula a primeira e grande
característica do sistema, que é controle da erosão, pois se imagina que a
erosão não seja problema onde quase não chove.
Mas
por incrível que possa parecer, mesmo nessas regiões semi desérticas, onde a
precipitação anual é menor do que
Regime de Chuvas :
Não se pretende aqui
escrever um tratado sobre o regime das chuvas no Semi Árido Nordestino, mas
apenas transmitir as observações resultantes de algumas viagens de trabalho
pelo Sertão de Pernambuco realizadas a partir de 2001. O que nos chamou a
atenção foi que apesar de escassas, as chuvas são muito concentradas, ou seja,
chove pouco mas em poucas vêzes, talvez
Sistema de Exploração da Terra :
O
sistema que predominou até pouco tempo atrás era o conhecido pelo nome local de
"broca", que nada mais é do que a exploração itinerante de partes da
propriedade, também comum em outras regiões do país e até entre as populações
indígenas, de onde talvez tenha se originado. Ele consistia em roçar a
vegetação da área escolhida, ainda durante o período sêco, fazer um aceiro e
logo após as primeiras chuvas queimar e em seguida plantar. Era totalmente
manual, pois os tôcos não permitiam mecanização. O plantio se repetia por mais
um ou dois anos, partindo-se depois para outra área, deixando esta em repouso
por um período variável, de
Entende-se,
então, como uma região semi desértica pode ter sérios problemas de erosão, o
que abre uma perspectiva muito interessante para a análise do sistema de
Plantio Direto como uma alternativa de exploração sustentavel destes solos tão
ameaçados pela degradação. Mas para inserir o Plantio Direto como uma
alternativa viavel aos sistemas setanejos de produção, faz-se necessário
entender primeiro o procedimento típico dos produtores do semi árido, dentro
das condições locais, como segue.
Procedimentos Típicos do Produtor do Semi Árido
(Sequeiro) :
Um
típico agricultor sertanejo cumprirá os seguintes passos para a implantação de
sua roça de sequeiro ;
Passo 1 : Aguardar as primeiras chuvas (as "trovoadas"),
geralmente em dezembro.
Passo 2 : Com a umidade, irá fazer o preparo do solo
para o plantio : arado tombador de tração animal, arado de discos com trator ou
grade de discos, ou mesmo enxadão.
Passo 3 : Persistindo a umidade (o que é muito raro),
irá fazer o plantio, geralmente manual, com matraca ou enxadão. Como geralmente
a umidade não persiste, pois há nova estiagem de alguns dias ou semanas, irá
aguardar novas chuvas, situação mais comum.
Passo 4 : Com a umidade das novas chuvas em janeiro/fevereiro,
se o terreno estiver limpo, poderá plantar. Mas isto é raro, pois a umidade
restante das primeiras chuvas acaba sendo suficiente para provocar a germinação
de muita sementeira de mato no solo revolvido pelo preparo. O mais comum é
refazer o preparo do solo e de novo, se a umidade persistir, fazer o plantio.
Se a umidade não persistir, aguardará novas chuvas.
Passo 5: Com a
umidade das próximas chuvas, próximo ao dia de São José em 19 de março, se o
terreno estiver limpo, fará o plantio, já no limite dos prazos toleraveis. Se
houver mato germinado, fará novo preparo leve e plantará se a umidade
persistir. Se não houver mais chuvas, terá perdido o ano.
Tivemos
a oportunidade de visitar um pequeno agricultor na região de Flores em
Pernambuco, que preparou sua terra por três vêzes (dezembro de 2000, fevereiro
de 2001 e março de 2001), e como não choveu mais após o dia 19 de março, nem
sequer plantou sua roça. Foi um caso extremo, mas casos de 2 preparos e 2
plantios foram muito comuns pelo menos em 2001, em diversas regiões de
Pernambuco (Cedro, Serrita, Afogados da Ingazeira, Tuparetama, etc.). Ou seja, o produtor sertanejo, cuja principal
meta é de um lado maximizar o aproveitamento da escassa umidade disponivel
para a condução de sua roça, e de outro
procurar fazer o seu plantio o mais cêdo possivel, para melhor desfrutar das
chuvas que ainda estão por vir, acaba fazendo tudo ao contrário : ao preparar o
solo, joga fora boa parte da pouca umidade disponivel (entre 15 e
Proposta de Sistema Alternativo de Plantio Semi Direto
:
Pelo
exposto acima há a tendência de concluir que simplesmente parando de preparar o
solo estaremos trazendo a solução para o Semi Árido, mas não é bem assim.
Experimentos de longa duração (mais de 15 anos) conduzidos por pesquisadores do
IPA (Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária) mostram que o pior
tratamento é o sem preparo de solo, pois nesta situação ocorre forte
compactação superficial que compromete todo o sistema. E isso seria de se
esperar, pois a base do Plantio Direto é a palhada sobre o solo, e naquela
situação de clima e de exploração não só não se consegue boa palhada, como o
pouco que se consegue é essencial para complementar a alimentação das cabeças
de gado que todo sertanejo possue, não restando nada para configurar um bom
Plantio Direto na Palha, como o próprio nome sugere.
A possível solução irá envolver a mudança
não só de técnicas de cultivo, mas também de práticas tradicionais de criação
de gado, com a adoção de um sistema intermediário, conforme o cronograma abaixo
:
Atividade Época Motivo
Preparo de Solo Primeiras
chuvas Quebrar camada
adensada na superfície
(escarificador
em vez de arado/grade)
Repouso do terreno Até haver novamente Aguardar umidade para plantio e ter ger-
umidade
disponivel minação de
sementeira de mato.
Aplicação de herbicida
desse- Com solo novamente Eliminar mato germinado.
cante úmido.
Plantio de milho,
feijão Logo após dessecação Aproveitar
umidade
Plantio de sorgo
mixto, Idem Em parte da
área, substituindo milho,
silageiro ou
forrageiro para
produzir grão e palha.
Procura-se
com o modelo acima evitar os preparos de solo desnecessários assim como adotar
um implemento que não revolva tanto o solo, mas que seja eficaz no rompimento
das camadas adensadas, melhorando a infiltração das chuvas sem provocar a
decomposição de eventuais restos de cultura. Ao aproveitar as segundas chuvas
para dessecar e plantar, procura-se economizar umidade e ganhar tempo, ambos
essenciais quando se pensa em produtividade e riscos. A substituição de parte
da área de milho por sorgo visa minimizar o efeito das possiveis estiagens, já
que o sorgo é muito mais resistente à seca, mas também procura gerar um excedente
de palhada (muito fácil de obter com sorgos silageiros quando usados para a
colheita do grão). Esta palhada servirá para alimento do gado ou uso em cama de
aves, com grande procura na região, permitindo que a palhada do milho seja
preservada sobre o solo, vindo a melhorá-lo com o tempo.
Não se pretende aqui, indicar a fórmula mágica para resolver as mazelas da agricultura do Semi Árido, mas apenas contribuir com uma visão diferente dos problemas locais, que no fundo são os mesmos problemas enfrentados por agricultores em qualquer parte do país ou do mundo : gerenciamento do tempo e da umidade (por falta ou excesso) para maximizar os resultados de uma lavoura. E promover a conscientização de que o Plantio Direto pode ser uma ferramenta importante nesta luta.