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Piracicaba, certo dia ao final de 1903 (Cerejinha; F68)
17/06/2021 - Por marney pascoli ceredaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Piracicaba, certo dia ao final de 1903.
Meos prezados collegas futuros Ex-Alunos da Escola Agricola Pratica de Piracicaba!
Quem vos fala é João do Amaral Mello. Estou me formando agora, em 14 de novembro de 1903, e com muito orgulho faço parte da 1a. turma desta Escola.
Como cualquer recém formado, neste momento penso em minhas escolhas do passado e também no meu futuro.
Porque escolhi estudar na Escola Agricola? A princípio porque sou de uma família de fazendeiros. Meo pai já administrava a fazenda do sogro, família de João Leite Cerqueira Cesar, situada em S. Pedro, onde nasci em 20 de Maio de 1879, filho mais velho de Ifigênia Leite de Mello e Vicente do Amaral Mello. Portanto o ambiente familiar já me ajudou na decisão.
Aliás o meu sonho é ter minha própria fazenda, por que não?
Outro factor importante é que Piracicaba já é um pollo agrícola consideravel no Estado de S. Paulo. Como tal, foi um dos primeiros locaes onde se considerou fundar uma Escola Prática de Agricultura, seguindo a política de offerecer conhecimento para os fazendeiros.
Além desses factores, eu e meus irmãos cuidamos da Fazenda São João, situada em Rio das Pedras, aqui perto de Piracicaba. Essa fazenda foi comprada por meo pai e seo cunhado José Leite de Negreiros, em 25/11/1886, portanto faiz 14 annos. É uma fazenda auto-sufficiente, produzindo um pouco de tudo, e o sustento de minha família e de meus nove irmãos.
O café já era e é ainda, cultivo de exportação e haveria necessidade de ter uma coordenação dos governos estadoal e federal para essa cultura perenne, nesta nossa jovem República. Afinal, na virada do sécullo, sem contar o consummo interno, o paiz exportou 15 milhões de sacas e é o maior productor do mundo!
Na época da minha formatura posso também contar com a Estacção Agronômica de Campinas fundada em 1887 pelo Imperador D. Pedro II, com o objectivo inicial de assistir thecnicamente o desenvolvimento da cafeicultura nacional, em razão da importância do cultivo com vistas a exportação.
Portanto, como a exportação de café sustenta a família, alguém teria de se ocupar dela, e fui eu, o filho mais velho o escolhido.
O fato de morar em Piracicaba facilitou a addesão para a Escola Agrícola, que em 1900 acabava de ser criada como Escola Agrícola Prática de Piracicaba, pelo Decreto 863 em 29 de dezembro.
Na época, antes de me inscrever na Escola Agrícola, em 1901, onde o Director era o Excentíssimo senhor Ricardo Ernesto Ferreira de Carvalho, informações thecnicas sobre o café eram difíceis de se obter.
Mas felizmente aqui em Piracicaba já havia outro fazendeiro, Luiz Vicente de Souza Queiroz, com uma visão mais ampla do que poderia ser a agricultura no Brasil.
Elle sentiu a necessidade de contar com pessoas bem formadas e não só doou terras, mas se empenhou em trazer para o Brasil, os avanços da agricultura que já existiam na Europa e Estados Unidos como um curso superior agrícola (*).
Consta que, retornando ao Brasil em 1873, tendo cursado na França agronomia - que não concluiu - ao tomar posse da herança paterna empenhou-se em fundar uma Escola Prática de Agricultura de alto padrão em Piracicaba.
Tendo mesmo contractado o professor americano Eugene Davenport, para projectar o edifício sede na Fazenda S. João da Montanha, numa clara escolha pelo modelo americano de ensino agrícola.
Duas outras escolas superiores de segundo grau (*) em agronomia já estão funcionando no Brasil.
A Escola Agrícola da Bahia, em Cruz das Almas, sob a administração do Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, inaugurada em 15/02/1877, com a primeira turma de formados em 1880.
O Liceu de Agronomia, Artes e Ofícios de Pelotas, Rio Grande do Sul, creado em 1888, e convertido em 1890 em curso superior secundário, como Liceu Rio-Grandense de Agronomia e Veterinária, ?e com sua primeira turma de agrônomos formados em 1895.
A terceira é esta nossa Escola Prática de Agricultura de Piracicaba, oficializada em 1901*. Eu adderi ao curso, juntamente com mais deiz collegas.
Senti-me mui aliviado... E aqui em Piracicaba, não muito longe da Fazenda São João!
Piracicaba é uma cidade pequena, mas planejada e já bem influente em todo o Estado e País.
Os 3 anos passaram depressa. Na época para chegar à Fazenda São João da Montanha, onde foi instalada a Escola Agrícola em 1900, os estudantes vinham gastando çapato, ou de trolle ou a cavallo.
Tínhamos aulas theóricas e práticas. Nosso local princippal de aulas é num grande galpão localizado em área bem plana da Fazenda São João da Montanha. Pelo que ouvi, a obra do edifficio principal terá iniccio no anno vindouro, ao lado desse galpão.
Desde o primeiro ano, senti que havia feito a escolha certa. Ainda assim foi diffícil e collegas foram ficando para traz, porque lhes faltava base para um curso deste nível.
Havia um sério risco da Escola Agrícola fechar, pois alguns dos onze alumnos não tinham preparo sufficiente para acompanhar as aulas. Neste aspecto, modéstia a parte, dei minha colaboração. Não foram poucas as vezes em que tive que dar aula de reforço aos collegas que tinham difficuldade em acompanhar o curso. Ainda assim essa difficuldade ficou clara no dia da formatura, quando apenas sete concluíram o curso. Foram os meus colegas Carlos T. de Magalhães Duarte, José Baptista do Carmo Lopes, José Maria de Paula, Luiz Eugênio de S. Nogueira, Octaviano de Morais Sampaio e Odilon Ribeiro Nogueira. E apesar dos meus esforços ... (ou será que não fui assim tão bom professor?) Bom, o tempo dirá...
Essa não é minha preocupação agora. O que quero é trazer para vosmecês um pouco da allegria do dia da formatura, saído da casa dos meus paes na Rua do Commercio, Largo do Mercado, onde mora a família de catorze pessoas, e vim em trolle, ao mesmo tempo orgulhoso e appavorado. Será que vou dar conta?
Sei que vosmecês vão dizer que todos os formandos se preocupam no dia da formatura. Bom, mas e agora? O que me espera? Já tinha experiência prática em produção agrícola, mas será suficiente?
A agronomia começa a investir em ciências básicas e aplicadas. Profissionalmente a cultura mais importante é o café, depois o algodão, mas a cana de açúcar, começa a se fazer presente. Piracicaba já era um pollo agricola importante, inclusive com planejamento de escoamento de safra usando a estrada de ferro que passava pela ponte sobre o rio, para levar a produção até a cidade de Limeira.
Eviddentemente espero formar família mais tarde, e também espero que diversos de meus descendentes também se interessem por seguir essa fascinante estrada que é a agronomia, e aqui nesta querida Escola!
Deveras agradeccido por vossa atencção!
João do Amaral Mello
(*) Corresponderia a um curso de segundo grau de hoje.
Explicação necessária:
Como ex-aluna, sou Marney Pascoli Cereda (F68), e já há tempos tinha vontade de escrever algo no Blog da Associação dos Ex-Alunos. Resolvi que um tema para ser lido por ex-alunos poderia contemplar os vários agrônomos esalqueanos da minha família, tendo os Amaral Mello como tronco principal, para abranger a evolução de nossa Escola.
A decisão de começar pelo agrônomo João do Amaral Mello, formado na primeira turma tornou-se, então, uma escolha óbvia.
Inicialmente, havia pensado apenas numa modesta relação de nomes... mas tive apoio para me envolver mais no tema.
Este artigo foi escrito com alguma ajuda, de onde veio a ideia de "convidar" o próprio João para contar sua história, com "orthographia de epoca". Nisso um colega da F68 ajudou muito, outros indicaram mais fontes de consulta, e finalmente a cereja do bolo - a jornalista Maria Geralda Amaral Mello, com contribuições de profissional e garimpo de suas memórias...
Minha prima é filha do próprio João do Amaral Mello!
Meu irmão, Pedro Augusto Pascoli, ajudou a melhorar as imagens. Esperamos que tenham gostado deste ensaio, e que gostem também dos seguintes, e olha que só da época do João, há ainda mais três!
Estou gostando muito da experiência e por isso gostaria de incentivar outros colegas a também remexer em seus baús e reviverem velhas histórias e memórias da nossa ESALQ!
Campo Grande, MS, Junho/2021