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O que as pichações trazem de novo? (Big-Ben; F97)

20/09/2017 - Por mauricio palma nogueira
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Maurício Palma Nogueira *

 

As recentes pichações de prédios da "Luiz de Queiroz" pautaram algumas discussões em grupos de ex-alunos nas redes sociais.


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Ao tomar conhecimento, logo me lembrei de uma reunião no prédio central quando organizávamos a formatura de nossa turma, em 1997. O professor Evaristo Marzabal Neves (Vavá, F66), então diretor da ESALQ, nos lembrava orgulhosamente que éramos a única unidade da USP em que nunca havia sido registrado casos de pichações. Depois de passar quase cinco anos entre um prédio e outro, eu não havia me dado conta até que o Vavá comentasse. Compartilhamos todos -  quase ex-alunos naquele momento -  do sentimento de orgulho que o nosso diretor expressava.

 

Ainda que não tenham sido as mesmas pessoas, os responsáveis pelas pichações são do mesmo grupo que já havia pichado a sede do CALQ, semanas antes. Os rabiscos expressam pensamentos políticos, opiniões, falam de liberdade, de respeito, diálogo, arte, democracia. Não memorizei com detalhes, mas a palavra golpista apareceu em pelo menos uma das pichações. Ainda que seja direcionada a outros alunos, e não à política nacional, só por aí já se dispensa maiores especulações sobre o tipo de pensamento (ou a falta dele) que norteia a estirpe do indivíduo disposto a executar tamanha baixeza.  

 

Essa gente é interessante. Eles possuem uma capacidade de imposição que precisa ser estudada. Abusando de um portfólio autoritário, que faria inveja ao pior dos fascistas, são capazes de convencer uma pessoa desatenta de que ela mesmo seria um (a) fascista. Tem lógica?

 

Não, não tem lógica nenhuma, mas tem método. E o método é eficiente porque a maioria das pessoas comuns não analisam as atitudes, o conjunto de ações, a coerência na argumentação dos interlocutores e os fatos relacionados dentro dos contextos em que são colocados. Seja por falta de tempo ou por falta de disposição em se aprofundar, as pessoas acabam seguindo aqueles que gritam mais e vomitam números e dados falsos ou falaciosos.

 

Mesmo quando verdadeiros, os argumentos seguem descontextualizados com o objetivo de contradizer palavras ou frases que não foram ditas ou escritas. São fragmentos de opiniões e informações jogados de forma que pareçam construir um raciocínio.  É a expressão máxima da desonestidade intelectual na pior de suas formas.

 

O método ainda abusa da agressão, do preconceito, da humilhação. É frequente que façam menções à forma com que o interlocutor se veste, das músicas que gosta ou da aparência física. Menos frequente, mas não raro, também acabam mencionando sexualidade, cor, região de origem, etc. Basta prestar atenção no que é falado, ou escrito, para confirmar o nível dessa agressividade.

 

O sucesso do método se deve à constatação de que os agressores acabam passando por vítimas e conseguem o apoio, parcial ou total, de uma legião de desavisados. Portanto, não tem nada de burrice nas ações dos pichadores. Muito pelo contrário, pois eles se comunicaram com os insossos, vulneráveis a formar fileiras rumo a um curral intelectual.

 

Mas ressaltemos. Se a burrice é pouca, o caráter é ainda mais escasso. É esse tipo de atitude cada vez mais comum em diversos níveis de agressividade - de palavras a pancadas - que praticamente desmontou o debate contemporâneo.

 

A polarização através do ódio radicalizado, com aquele discurso do "nós contra eles", subiu a rampa do planalto em 2003. Mesmo assim, misteriosamente, a imprensa passou a dar atenção e escrever sobre essa polarização apenas em 2015, quando o outro lado começou a entender qual era o jogo já que se jogava há 12 anos.

 

Ainda assim, os verdadeiros autoritários agressivos se passam por vítimas, com a culpa sendo cada vez mais atribuída à classe média, parcela da sociedade que mais preza a democracia. Quem não se lembra do discurso de ódio da Marilena Chauí, sob aplauso da maior liderança da esquerda brasileira?  

 

Grupos organizados que surgiram recentemente são acusados de fascistas, mas a maior parte de suas ações está justamente em registrar, e publicar nas redes sociais, as diversas demonstrações de intolerância que há anos são usadas contra aqueles que discordam dos verdadeiros autoritários. Vitória do método!

 

Depois de várias roupagens, esse grupo passou a se apresentar como progressista. Se julgam iluminados que revolucionarão o mundo trazendo mais justiça, harmonia, paz e fraternidade; verdadeiros donos da razão. Mas onde quer que tenham colocado seus dedos, e sua influência, o resultado final foi o retorno a galope para o atraso.

 

Provaram-se, repetidas vezes, incapazes de construir ou, no mínimo, manter alguma coisa positiva que trouxesse avanços duradouros e sustentáveis. Mudam a embalagem, mas o produto é sempre o mesmo.

 

São defensores do diálogo, mas pregam a porrada contra aqueles que discordam; acreditam na liberdade de expressão, desde que sejam expressadas apenas opiniões condizentes com as suas cartilhas; consideram o conhecimento e a leitura de extrema importância para manter o nível intelectual, desde que sejam lidos os autores com os quais eles concordem; defendem o empoderamento das mulheres, negros, índios, homossexuais, mendigos, imigrantes e qualquer grupo que possa ser menos privilegiado, mas tratam como traidores colonizados aqueles empoderáveis que ousarem discordar de seus defensores. Acham legítimo e artístico pichar a casa dos outros, ou prédios públicos, mas não desfilam pelas ruas com seus carros expressando a mesma qualidade artística que tanto prezam.

 

Atacam o crescimento de apoio a políticos populistas com tendências autoritárias, enquanto eles mesmos defendem os seus próprios fascistas populistas, tenham eles se originado das truculentas bases sindicais de São Paulo, da exploração de mentiras esverdeadas, das cômodas carreiras acadêmicas na área de humanas em universidades públicas (onde a produção intelectual não é mensurada e nem contestada) ou das mais arcaicas oligarquias dominantes em regiões paupérrimas, como o interior cearense.

 

São donos de um pensamento mesquinho e arrogante. No discurso contra quem julga importante conservar valores como diálogo e a democracia, apresentam-se dispostos e aptos a repensar o mundo.

 

Incapazes de perceber que mudanças e inovações demandam cautela e análise de impactos, se acham modernos demais em relação aos normais, ainda que o último grande pensador dos valores que eles comungam tenha falecido antes que a segunda guerra mundial eclodisse.

 

Voltando ao assunto; assim como ocorreu após as pichações do Centro Acadêmico "Luiz de Queiroz", a discussão pendeu para um lado interessante.

 

Os defensores da depredação taxaram de conservadores reacionários aqueles que criticarem as pichações.  É a conversa de sempre, colocando de um lado o moderno inovador, a arte, contra os retrógrados censurando a liberdade de expressão, a criatividade artística e todo aquele blá blá blá repetitivo e interminável de sempre.

 

Não sei se as recentes pichações são de fato as primeiras registradas em prédios dentro da ESALQ.  

 

No entanto, esses "corajosos que resolveram enfrentar o status quo se impondo contra as autoridades repressoras" não trouxeram nada de novo. Não propuseram nada de útil, não apresentaram soluções e nem melhoraram o nível do debate.

 

É uma pena que uma tradição positiva como o respeito dos alunos pela arquitetura da "Luiz de Queiroz" tenha sido derrubada por um grupo de baderneiros. Tradições só são ruins quando passam a impedir o avanço, as inovações, o progresso. A partir deste ponto, sim, essa tradição precisa ser descontinuada; porém nunca esquecida. Se for esquecida, um dia volta.

 

A recente entrevista do atual diretor da ESALQ, Luiz Gustavo Nussio, à revista Dinheiro Rural, questionando a postura das lideranças políticas relacionadas ao agronegócio é um exemplo de coragem, demonstrada do mais alto cargo de uma das mais tradicionais instituições do país.

 

A criação do EsalqShow é uma inovação que aumentará o contato da produção acadêmica com os usuários dessa produção; isso sim é coragem de expor o que se produz lá dentro ao julgamento de quem aplica o conhecimento e paga as contas da Universidade. São apenas dois exemplos de que a instituição não está parada no tempo, "cantando as próprias conquistas", recusando-se a evoluir.

 

Poderia citar e enumerar diversos outros casos, mas simplifiquemos com "o teu exemplo é a tua Escola", parafraseando o que vai estampado no túmulo do idealizador da instituição.

 

A ESALQ é um claro exemplo de que tradições e inovação podem coexistir, desde que haja critério, autocrítica e disposição para avançar.

 

Aqueles alunos estão orgulhosos por provavelmente serem os primeiros a brincar de criança nas paredes da ESALQ. Apesar dos aplausos dos moralmente iguais, não passam de pichadores que se julgam capazes de mudar o mundo com estupidez e intolerância.

 

Para se destacar, precisam chocar, destruir, barbarizar. Essa é a sina de quem não é capaz de se impor pela autenticidade, pela criação e pelo intelecto. Embora tenham chegado à USP, esses jovens são consequência da inadequação de nosso sistema básico de educação. Acabaram ocupando vagas que não merecem. 

 

Depois daquela conversa com o Vavá, lá em 1997, foram-se 20 anos para que o desrespeito por parte dos alunos atingisse a unidade, levando-a a se igualar com as outras da USP.

 

Termino o texto me dirigindo aos pichadores, embora não tenha pretensão alguma que algum deles leia ou se sensibilize.

 

Parabéns, pichadores. Essa é a marca que os define como estudantes; a marca da mediocridade, da régua baixa e da vergonha em de deixar para trás um rastro pior do que encontraram.  Apesar dos discursos floreados de clichês antigos, vocês estão do lado do atraso, da truculência, da irresponsabilidade e da incapacidade.

 

Ainda está em tempo de mudar para que possam levar algo de positivo daí; mas depende de vocês. Vocês estariam dispostos a rever as tradições de seus modelos mentais ou preferem conservá-las?

 

* Maurício Palma Nogueira (Big-Ben, F-97)

engenheiro agrônomo, sócio da Agroconsult, coordenador do Rally da Pecuária, ex-morador da República Jacarepaguá e harleyro

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