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O Novo Logo da ESALQ. Ou em outras palavras: A Pedra e a Vitrine em Tempos das Mídias Sociais (Katuaba, F-85)

01/06/2018 - Por paulo varella conceição
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Nunca me escapou uma opinião sobre as coisas, sempre pronto a emitir minhas idéias; alguns chamam essa característica de "bocudo". Mas além de bocudo, e talvez para compensar, sempre adicionei a isso a minha colaboração, o meu trabalho. Talvez uma das maiores motivações pessoais tenha sido querer ser agente no contexto social a que pertenço e colaborar para deixar as coisas um pouco melhores do que às encontramos. Alguns chamam isso de liderança.


Os resultados de ser bocudo e talvez de possuir um perfil de liderança foram evoluindo. Comecei como presidente do Grêmio Estudantil no "colegial", segui para presidente da Comissão de Integração e depois do Conselho Administrativo no CALQ. Virei Chefe de Departamento na minha universidade e por vários anos fui Vice Diretor da Escola de Administração na minha universidade.


Pela minha vivência, me intriga como essas posições de liderança solicitam respostas emotivas e altamente críticas às pessoas que tentam contribuir para essas funções de liderança. Daí a analogia que compara as funções dos atiradores de pedra às dos que estão em posição de vitrine. Tendo sido membro dos dois times, reafirmo o quanto mais fácil é atirar as pedras do que se achar na posição de vitrine.


Numa decisão aparentemente simples, atualizar a identidade visual da ESALQ, vimos os líderes da nossa amada escola virarem alvo de milhares de jogadores de pedra. Não vou entrar no mérito e na qualidade da mudança do novo logo da escola, não são esses meus objetivos. Queria apenas utilizar essa oportunidade para comentar sobre esse processo de liderança e crítica na nossa sociedade contemporânea, especialmente sob a influência potencializadora das mídias sociais.


Minha primeira observação é que a há uma corrosão do nível de confiança da sociedade em relação a qualquer líder. A sociedade ainda não separa o joio do trigo e atribui atualmente sentimentos negativos a qualquer líder. Seja ele o mais corrupto dos políticos, o mais anti-ético presidente de empresa, ou o mais bem intencionado diretor de autarquia, ou o apaixonado líder filantropista. No primeiro escorregão, as pedras serão arremessadas imediatamente, sem dó, sem o embasamento de todos as informações pertinentes. A condenação pela opinião pública é rápida e baseada em superficialidades, levando às condenações sumárias na corte das mídias sociais.


Vejo benefícios desse fenômeno. As vitrines estão muito mais escancaradas e há transparência em qualquer decisão. Líderes autocráticos, sem ética, inescrupulosos têm suas intenções abertas à opinião pública. Transparência é como a luz do sol, torna tudo mais limpo.


Gostaria de levantar dois pontos no entanto. O primeiro é a necessidade de que o coletivo coloque um esforço maior em separar o joio do trigo entre nossos líderes, antes das condenações sumárias.


Lideranças voluntárias de organizações sem fins lucrativos raramente são acompanhadas de benefícios financeiros que compensem o esforço. Após virar vice diretor, comparei o adicional da minha nova posição com as perdas de férias e aumento de carga horária semanal de fato, notei que passei a ganhar menos por hora trabalhada do que como professor. Não só isso, a minha atual jornada para virar professor titular ficou muito mais lenta, com custos profissionais reais. Creio ser essa a vivência de muitos líderes da ESALQ.


Diferente do setor produtivo, não conheço muitos que tenham assumido uma posição de liderança fora do setor privado, onde os benefícios financeiros compensassem. É óbvio que falo de salários, estou excluindo os ganhos escusos de líderes que abusam dessas posições para se beneficiar de forma ilícita ou sem ética, que são possíveis nesses cargos.


Interessante que vejo alguns profissionais que passaram pelos mesmos "custos" por virarem líderes no setor produtivo, mas é mais raro.


Então por que uma pessoa ética e racional decide assumir essas posições. Vejo como razões, primeiro, a motivação de construir algo melhor e contribuir para um bem comum. A segunda, é óbvio, seguem motivações de ego pessoal e reconhecimento pelos pares.


Sob essa ótica é fácil observar as crises de lideranças brasileiras e mesmo as globais, advindas da falta de bons líderes políticos e civis a ajudar nossa sociedade. Explico, venho de uma classe privilegiada, de boas escolas básicas e com o enorme privilégio de me formar na ESALQ. Olho em volta e consigo identificar um número ínfimo da minha enorme rede de relacionamentos que se aventuraram a "melhorar as coisas", a criar um bem comum melhor. Seja na política ou liderança organizacional sem fins lucrativos, vejo uma reticência em achar líderes éticos e bem intencionados que fiquem totalmente confortáveis em assumir tais posições de destaque.


A consequência deletéria é que não faltarão indivíduos sem escrúpulos, desonestos e autocráticos, prontos a assumir esses cargos. Muitos buscarão cargos políticos ou de liderança com o intuito de beneficiar-se pelas vias escusas. Indivíduos sem ética serão atraídos pelo poder inerente dessas posições hierárquicas, para o benefício próprio. Eternaliza-se a carência de bons líderes públicos e civis.


Um dos primeiros passos a nutrir bons líderes  - e vejo como exemplo disso os os que temos na ESALQ - é o esforço do público em questionar mais a fundo suas posições. Proponho que devemos ser atentos ao efeito de influência de grupo (efeito manada como me descreveram recentemente) nas nossas posições públicas, assim como no tom das críticas. As mídias sociais são particularmente sensíveis a esses dois fatores.


Nesse caso recente da logomarca, vi pessoas extremamente razoáveis usar termos que nunca usariam numa conversa face a face. Referir-se à líderes de extremo valor como os que temos na ESALQ de forma ofensiva não me parece construtivo. Comentários como pessoas incompetentes, irresponsáveis, ou grupelho, foram alguns dos termos que lí na avalanche de manifestações nessas mídias, em relação à decisão da nova logomarca da escola.


Assim como evitar o compartilhamento de notícias falsas, o indivíduo precisa ser maduro nos posicionamentos nas redes de relacionamentos reais e especialmente nas redes digitais. Há consequências que afetam de forma negativa o nosso nexo social. Essa é a opinião de um "bocudo", mas bem intencionado.


Saudações ESALQueanas,


Katuaba.


Paulo Varella. Formado pela ESALQ (Engenharia Agronômica) em 1985. Foi morador da República Mata Burro, presidente do CALQ na Gestão 1984/85. Atuou em agropecuárias e na área de insumos até 1997, quando foi para o Canadá para completar o MBA e PhD em estratégia empresarial na University of Calgary. É Professor Associado da Bissett School of Business na Mount Royal University am Calgary, Canada. Foi vice-diretor da escola. Conduz pesquisa na área de governança ambiental e é professor adjunto no Copernicus Institute of Sustainable Development na Utrecht University, na Holanda.


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