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O ciclo do ouro faz desenvolver a agricultura para abastecimento interno (Adilson Paschoal; F67)
10/04/2019 - Por adilson dias paschoalAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA AGRICULTURA
PAULISTA.
Parte 4. O ciclo do ouro faz desenvolver a agricultura para
abastecimento interno.
Adilson D. Paschoal
Professor Sênior
da Esalq-USP
Século XVII.
Vilas de São Paulo e de Parnaíba. Caminho Geral do Sertão e a ocupação
do Vale do Paraíba. Com as Minas Gerais, chegam os negros da África. A fome em
Minas, onde uma galinha vale seu peso em ouro. O açúcar das Antilhas Holandesas
gera crise econômica no Brasil Colônia.
A bem da verdade há que se dizer que, pelo seu isolamento, a
vila de São Paulo era paupérrima, sendo as casas não mais do que choupanas
cobertas de palha, com exceção das casas dos mais nobres, das igrejas e dos
órgãos administrativos. A agricultura era de sobrevivência. Afora os poucos
detentores de títulos de nobreza, a maioria de sua gente era inculta, de homens
do campo, mercadores de recursos limitados, artífices e aventureiros de toda a
casta, seduzidos pelas possibilidades com que lhes acenava o continente novo.
Muitos eram descendentes de condenados,
deportados de diferentes povos da Europa, e de mulheres
indígenas. Era tal a carência de mulheres brancas, que o padre Manoel da
Nóbrega, certa ocasião chegou a afirmar em carta que “os
paulistas aceitariam até as mulheres erradas de Portugal.”
Nas
entradas e bandeiras, a vila de São Paulo encontra sua principal fonte de
renda: a mão de obra escrava. Para isso, porém, tinha-se que enfrentar a
vastidão dos campos e matas, as sombrias florestas emaranhadas de cipós e
espinhos, os morros escarpados, os pântanos e rios caudalosos, a ferocidade das
onças, o veneno mortal das cobras, as picadas de insetos, as febres, e as
flechas silenciosas e mortais do homem cor de bronze, camuflado e oculto na
imensidão e no silêncio das matas. Na volta, depois de muito tempo ausentes,
não era incomum aos bandeirantes encontrarem suas esposas casadas com outros
homens, que os tinham por mortos.
Apesar de os paulistas terem percorrido grande parte da
imensidão do Brasil, estendendo as fronteiras muito além do que estipulava o
Tratado de Tordesilhas, nenhuma vila ou povoamento surgiu no sertão por
iniciativa dos bandeirantes indigenistas. Elas só começam a aparecer durante o
ciclo do ouro, primeiro como simples paragens, com ranchos e pastarias para
animais, convertidas em povoamentos, elevados a vilas e cidades. A necessidade
de novas terras férteis para a agricultura e a busca de ouro e de índios fez
surgir alguns povoados ao longo do rio Anhembi (Tietê): Santana de Parnaíba, Sorocaba
e Itu, este local de parada e de partida de bandeirantes e monçoeiros em busca
do sertão. Nele, muitas expedições fluviais (monções) eram organizadas partindo
do Porto de Araritaguaba (Porto Feliz), às margens do Tietê, com destino às
minas de ouro de Cuiabá.
Para os bandeirantes havia duas maneiras de
penetrar o sertão inóspito: por terra, caminhando através de matas densas, ou
por rios, enfrentando corredeiras e quedas d"água. Nas margens do Anhembi,
povoados foram surgindo em locais de parada e de partida de bandeirantes e
monçoeiros em busca do sertão. Muitas expedições fluviais foram organizadas
partindo de vários portos do Tietê e, depois, do Paraíba, com destino às minas
gerais. Partida da monção. Tela de Pedro Américo. Museu Paulista.
Obs. Esta tela foi seguramente destruída pelo incêndio de setembro de 2018.
A economia da vila de Santana de Parnaíba era de subsistência.
Pela sua posição favorável, torna-se importante ponto de partida das bandeiras.
No século XVII, a vila se desenvolve pelo emprego da mão de obra indígena, por
ser um núcleo exportador de índios para as demais capitanias, e pela chegada de
famílias importantes; também era uma das principais áreas de mineração da
capitania. As terras, tão abundantes na época, geralmente eram recebidas de
sesmarias, sendo depois divididas e doadas para parentes e amigos, que as
desmatavam e construíam suas fazendas e habitações, atraindo novos moradores.
As culturas mais plantadas eram trigo, milho, algodão, feijão branco,
cana-de-açúcar, uva, marmelo e legumes. Os instrumentos agrícolas da época eram
foices, enxadas, machados, facões, cunhas, escopros e serras.
Os produtos da lavoura eram permutados com outros de maior
necessidade. O sal vinha de Santos e era para aí que se dirigiam as tropas
levando açúcar, fabricado em seus engenhos, ou outro produto. As mercadorias
valiam pouco. A mão de quarenta espigas de milho valia cinco réis, um alqueire
de trigo, quinhentos réis, e um bom cavalo, dois mil réis. Os bandeirantes de
Parnaíba traziam muitos índios para as lavouras, fazendo crescer a população. Em
nada era superior a vila de São Paulo à vila de Paranaíba.
Os primeiros bandeirantes buscavam índios e metais a oeste de
São Paulo, em Mato Grosso, no Sul da Colônia e no Paraguai. O Anhembi (Tietê) era,
assim, o caminho natural. Com a descoberta das minas gerais, esse rio acaba
sendo esquecido por certo tempo, movendo-se a rota migratória para o vale de
outro curso d’água: o Paraíba, a leste da vila de São Paulo. Este era um
corredor natural para as bandeiras, por ser um vale facilmente transitável,
comprimido entre a serra dos Sete Pecados Mortais (serra do Mar) e a serra de
Jaguamimbaba (serra da Mantiqueira).
O rio Paraíba era o caminho de penetração e ocupação das
terras do vale, sendo utilizado por índios
e bandeirantes. Os sertões que margeavam o rio eram cobertos por matas
densas, cortadas por trilhas indígenas e por picadas abertas em seu interior,
ora ao longo de serras e espigões, ora margeando gargantas de rios e ribeiros,
que descem da serra da Mantiqueira e dos contrafortes da Bocaina. Os caminhos
percorridos tinham sempre
como referências o rio Paraíba,
as
gargantas e trilhas da serra da Mantiqueira, e os caminhos para o mar (Ubatuba
e Parati).
Guiados por índios, os
sertanistas que iam à busca do gentio da terra, e de ouro e prata, partiam de
São Paulo, passavam pela região de Boigy, que deu origem ao povoado de Santa
Anna das Cruzes de Mogi (Mogi das Cruzes), elevado à
vila em 1611, descendo, então, de canoa, o rio Paraíba. No trajeto, entre densa
floresta e muitas corredeiras, as pirogas corriam céleres passando por uma
aldeia de bugres, refugiados da Borda do Campo, por eles chamada Tabaeté (“aldeia
verdadeira”, em tupi). A aldeia origina um povoado em 1636, que logo se transforma
na vila de São Francisco das Chagas de Taubaté (Taubaté), o primeiro núcleo de
povoamento do Paraíba, ponto inicial para a ocupação de todo o vale. Em 1645, a
vila dispunha de igreja matriz, casa de conselho e cadeia pública, além de
moinhos de trigo e engenhos de açúcar.
Nas proximidades de Taubaté, muitos sertanistas e
bandeirantes faziam pouso na paragem chamada Pindamonhangaba, nas terras do
capitão João do Prado Martins, homem bom da capitania, neto de João do Prado e Filipa Vicente, que viera de São Paulo com a família e agregados, e
que já estava de posse de suas terras em 1643, data de sua fundação. Mais
tarde, em 1672, os irmãos Antônio Bicudo Leme e Brás Esteves Leme, netos de Antônio Bicudo e Maria de Brito, assim como de Brás
Esteves e Leonor Leme, iniciam a
construção de uma capela em honra a São José, fundando a povoação de São José
de Pindamonhangaba, que passa a pertencer a Taubaté. Anos depois, em 1705, seria criada a Vila
Real de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba, tornando-se independente
de Taubaté.
De Taubaté e de Pindamonhangaba os aventureiros seguiam
caminho passando por um local onde havia muitas garças brancas, por isso
chamado pelos índios de Guaratinguetá. Nesse local havia, desde 1630, uma
capelinha feita de pau a pique e coberta de sapé, em torno da qual se
desenvolveu um povoamento, elevado a vila em 1651, a pedido do capitão Domingos
Luiz Leme, bisneto de Brás Esteves e Leonor Leme, com o nome de vila de
Santo Antônio de Guaratinguetá.
Vindos de Santana do
Parnaíba, os pioneiros enfrentam os perigos de longa viagem, passando pela vila
de São Paulo de Piratininga e o povoado de Santa Anna das Cruzes de Mogi, para
chegarem a São Francisco das Chagas de Taubaté, onde tomam posse de sesmarias.
O transporte é feito em lombo de burros e em pirogas indígenas, que sulcam as
águas cristalinas do rio Paraíba, em cujas margens vicejam esplendorosas matas.
Gravura de Johan Moritz Rugendas. Biblioteca Municipal de São
Paulo.
Toda essa região pertencera à condessa de Vimieiro. Com a
criação da Capitania da Conceição de Itanhaem, em 1628, com sede na vila de
Itanhaem, inicia-se o povoamento do médio Paraíba, com ilustres figuras
piratininganas adquirindo terras e mudando-se de São Paulo e de Santana de
Parnaíba para estas novas plagas, dentre as quais muitos descendentes ─ netos e
bisnetos ─ dos pioneiros Leme, Bicudo, Brito, Rocha e Prado.
Navegando a favor da correnteza, nas águas do rio Paraíba, os
paulistas e outros sertanistas e aventureiros atingiam as terras de Guaypacaré,
onde existia um porto, que o tempo haveria de transformar no povoado de Nossa
Senhora da Piedade (Lorena). O núcleo inicial da povoação surge no final do
século XVII, com as roças de Bento Rodrigues Caldeira. Antes de o rio
encachoeirar-se, na paragem de Cachoeira (Cachoeira Paulista), tomavam um
caminho através da mata, que vinha desde o litoral até a serra, atravessavam a
garganta do Embaú, por onde se transpunha a serra de Jaguamimbaba (Mantiqueira),
penetrando no “Certam dos Cataguazes” e no “Certam do Sabarabuçu”, nas futuras Minas
Gerais.
Esse trajeto, chamado Caminho Geral do Sertão, foi estabelecido por várias
expedições, desde o século anterior. Em
primórdios do século XVII, tal caminho foi a linha de penetração mais
importante do Brasil, até a abertura do “Caminho
Novo”, de Garcia Rodrigues, que passa a ligar diretamente o Rio de
Janeiro às Minas Gerais, reduzindo para dezessete dias o percurso, enquanto era
de sessenta dias o do Caminho Geral; desde então, o Caminho Geral passa a se
chamar Caminho Velho.
Corria o ano de 1699 quando chega a Taubaté um velho de
setenta e um anos, maltrapilho, barbudo e de cabeça branca, portando como armas
arcos e flechas.
— Quem é? perguntam os moradores, sem obterem resposta.
Curiosos acodem ao átrio da matriz, onde o forasteiro,
prostrado, de joelhos fixos no chão batido, parece orar uma longa prece.
Finalmente, depois de exame minucioso, uma mulher, Maria
Leite, em suspiro profundo e cheia de emoção, exclama com voz quase que
embargada:
— Minha Nossa Senhora! Sagrado Coração de Jesus! É o meu
marido Borba Gato!
Sim, era ele, o destemido bandeirante paulista, que retornava
depois de dezessete anos de andanças pelo sertão bravio. A esposa Maria, irmã
de Garcia Pais, filho de Fernão Dias Pais Leme, havia mudado para a vila de
Taubaté, na esperança de reencontrar um dia o marido aventureiro. Pouco depois,
embrenha-se ele de volta ao seu ambiente favorito, para descobrir a lendária
serra de prata de Sabarabuçu, que, afinal, não era de prata e, sim, de ouro, de
ouro de grandíssima qualidade.
Margens
do Paraíba. Fins do século XVII. Vultosa quantia de mercadorias cruza o rio, em
balsas, levando todo o tipo de provisões transportadas no lombo de animais,
principalmente alimentos e produtos manufaturados, além de gado e de escravos
conduzidos às Gerais. Corria a notícia, de boca em boca, dos tristes episódios
de fomes e mortandades que assolavam a região aurífera das Minas Gerais, desde 1697,
devido ao fluxo migratório intenso para o território mineiro. Essa região,
praticamente despovoada antes do ciclo do ouro, tinha agora trinta mil almas.
Os
mineradores sonhavam com a riqueza e poucos se dispunham a trabalhar a terra
para produzir alimentos, pois um escravo empunhando a bateia dava lucro cem
vezes maior ao seu senhor do que se empunhasse a enxada. Nas crises de falta de
comida, comia-se de tudo: raízes, lagartos, urubus e ratos. Uma galinha valia
seu peso em ouro. Muitos morreram de fome, principalmente nas vilas mais
populosas do vale do rio das Velhas: Vila Rica do Ouro Preto (Ouro Preto), vila
do Ribeirão do Carmo (Mariana) e arraial de Santo Antônio do Bom Retiro da Roça
Grande (Sabará), obrigando a uma retirada em massa desses lugares para povoados
de população menos densa. Com isso, a produção de ouro cai assustadoramente,
crescendo a de alimentos, embora ainda produzidos em quantidade insuficiente,
obrigando à constantes importações.
A
necessidade de alimentos (mais de noventa por cento dos víveres vinham de fora
da região mineradora), o crescimento das vilas e povoados, e o enriquecimento
rápido dos mineradores, fizeram surgir uma elite econômica na região, passando
os gêneros alimentícios e os produtos manufaturados a serem importados em
grande quantidade de Portugal e de São Paulo, sendo transportados no lombo de
burros, em imensas caravanas, de centenas de animais, vindas de Parati, pelo
Caminho Velho, e do Rio de Janeiro, pelo Caminho Novo. A abundância de matas
fornecia madeira para a construção de igrejas, edifícios e pontes.
A
escassez de mercadorias e de viveres, pela alta demanda, colocava o preço nas
nuvens em todo o vale do Paraíba. Assim é que, em Taubaté, gastava-se 38$000
(trinta e oito mil réis ou trinta e oito contos de réis) em equipamentos para
uma viagem a Minas: escopeta, 6$000; 12 libras de pólvora, 4$800; 36 libras de
chumbo, 3$600; um tacho, 3$800; um prato de estanho, 1$280; sete facas, $600;
alfaia e pedra ume, $480; um papel de alfinetes, 1$600; um terçado, 1$280; três
cadeados, $600; quatro machados e quatro podões, 2$000; confraria do senhor,
1$000; cinco colares, $300; uma canoa, 7$000; duas arrobas de toucinho, 1$600;
uma caixeta de marmelada, $400. Pagava-se em ouro, ou, os mais nobres, em
moedas de ouro e de prata. As moedas que circulavam no Brasil desde 1698 eram
cunhadas na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, sendo as de ouro nos valores de
1$000, 2$000 e 4$000 e as de prata nos valores de 20 (chamada vintém), 40, 80,
160, 320 e 640 reis (patacas). As moedas só circulavam
na faixa litorânea, onde ficava a maior parte das vilas e cidades. No interior,
prevalecia o escambo ou troca de mercadorias. Nas Minas Gerais, as moedas não
circulavam ainda, sendo o ouro pesado servindo para os negócios. A riqueza se
avaliava com base na propriedade imobiliária e o gado tinha um meio de
intercambio bem aceito.
O
ouro salvara a Colônia e, consequintemente, a Metrópole, pois com a expulsão
dos holandeses do Nordeste em 1654, onde se concentrava a maior produção do
açúcar brasileiro, houve
a primeira grande crise econômica da nação que florescia. Os holandeses, responsáveis pela rápida recuperação, desde 1630, das
lavouras de cana e dos engenhos de açúcar dessa região, máxime em Pernambuco e
na Bahia, através de créditos concedidos aos proprietários e facilidades para a
aquisição de escravos africanos, e que por décadas financiaram, transportaram,
refinaram e distribuíram o açúcar produzido no Brasil, levaram consigo para as
Antilhas Holandesas (América Central), mudas de cana-de-açúcar, que logo formam
grandes lavouras, o açúcar aí produzido, a baixo custo, fazendo séria concorrência com o brasileiro, gerando
crise que atravessaria a segunda metade do século XVII até a descoberta de ouro
nas minas gerais.
A canavicultura só voltaria a se reerguer como atividade
econômica em São Paulo, na segunda metade do século XVIII.
Continua.
Referência.
Paschoal,
A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos
VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.