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Moosehead (Galli F73)

16/10/2016 - Por luiz fernando galli
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Final de primavera em Ottawa. Dentro de apenas oito dias, o solstício de verão dará início à nova estação aqui no Hemisfério Norte, o verão. Já passa das oito da noite mas no terraço do meu apartamento no ByWard Blue Hotel o sol ainda brilha distante do horizonte, algumas gaivotas voam sobre os telhados soltando seus grasnidos e a verde floresta das colinas de Gratinau ainda pode ser vista com certos detalhes. Foi muito bom visitá-la e conhecer algumas de suas trilhas e seus lagos na manhã de ontem, mesmo sob a fina e fria chuva.  Amanhã partiremos para Montreal mas estas imagens, juntamente com outras dos momentos vividos durante os cinco dias que passei nesta encantadora capital, ficarão para sempre comigo.

Pude perceber que Ottawa mudou muito desde que aqui estive pela primeira vez, há vinte e nove anos. Parece muito tempo pelo que já vivi ao longo desses anos todos, mas muito pouco para tantas mudanças ocorridas. Tamanha diferença na arquitetura e nos espaços em apenas vinte e nove anos parecem só ocorrer nas cidades da América, que nem sempre respeitam o que é natural, histórico e cultural. Valores econômicos sempre foram e serão mais importantes. Os prédios antigos do centro comercial da cidade, que conheci no final dos anos oitenta, já não existem mais.  Deram lugar a novos, envidraçados, iguais aos que existem em Nova Iorque, Toronto, São Paulo, Rio de Janeiro e tantas outras cidades modificadas pela modernidade econômica.

Na semana passada deixamos Toronto e, enquanto dirigia o meu Hyundai Elantra vermelho-laranja ao longo de quatrocentos e cinquenta quilómetros, em vários momentos pensei em tomar uma draft beer, de preferência uma Moosehead, no Elephant & Castell, quase em frente ao Fairmont Château Laurier.

Em 1987 eu vim ao Canadá, integrando um grupo de dezesseis especialistas em meio ambiente do setor elétrico brasileiro, participar de um curso de gestão ambiental em empresas energia. Em Ottawa permanecemos três dias, frequentando reuniões técnicas e assistindo palestras no Ministério de Meio Ambiente. Todos os finais de tarde, o Fernando, Ulisses, Luna e eu sentávamos em uma das mesas externas do Elephant & Castell para umas Moosehead, alguns petiscos, e por vezes um lanche, e muita conversa sobre os nossos trabalhos, as nossas vidas, as nossas famílias, a viagem e os nossos futuros. Já havíamos passado por Washington - DC, Knoxville no Tennesse e, depois de Ottawa, ainda iríamos para Montreal e Winnipeg. Ao longo de um mês de intensa cumplicidade, afetividade e convivência, acabamos nos tornando amigos.

No Brasil embora cada qual trabalhasse em sua empresa e vivesse em cidades distantes, separadas por centenas de quilómetros, a nossa amizade durou anos. A revivíamos, periodicamente, nas reuniões do setor elétrico e em algumas viagens  de férias, em São Paulo, Florianópolis ou Brasília. Com o passar dos anos, a morte do Fernando, as mudanças estruturais nas nossas empresas e a decisão por novos caminhos profissionais e particulares acabaram por nos distanciar fisicamente.

Hoje eu desfruto dessa amizade apenas na recordação, quando visito Florianópolis e Brasília ou leio notícias sobre as empresas onde esses meus caros trabalhavam.

Voltar ao Elephant & Castell seria uma grande oportunidade para desfrutar do acolhedor ambiente, tomar uma boa cerveja, conversar com a Mônica sobre a Ottawa que conheci e, principalmente, relembrar os momentos de alegria, afeto e gratidão ali vividos na companhia de amigos, em 1987.

Não foi por acaso que de um grupo de dezesseis, tão somente quatro se tornaram amigos. A amizade é determinada por disposições mútuas, pela afinidade de ideias e gostos, atenção que cada um dispensa ao outro e, principalmente, confiança. A partida do Fenando e o distanciamento do Ulisses e Luna por circunstâncias que a vida nos apresentou, se por um  lado esfriaram os nossos contatos físicos, por outro a recordação dos bons momentos com eles vividos sempre me traz sentimentos de muita alegria e gratidão a nossa amizade.

Os vários e verdadeiros amigos que tenho me tornam um ser privilegiado. Alguns deles caminham comigo há meio século, desde os tempos de ginásio. Nem sempre os encontro fisicamente mas sei e sinto que estão sempre ao meu lado. Quando os percebo distante, a recordação dos fatos que originaram a amizade aquecem a minha alma, alegram o meu espírito e os trazem novamente ao meu lado.

Nem bem chegamos ao hotel, deixamos nossas malas sobre a cama e saímos a procura de um restaurante para o almoço. Afinal havíamos viajado durante mais de cinco horas, com apenas uma parada para um diminuto lanche. Depois de uma boa massa no Vittoria Trattoria, restaurante italiano que encontramos nos arredores do Byward Marked Square, a Mônica e eu voltamos ao hotel para a rotineira sesta de meia hora.

Acordei pensando no Elephant & Castell. Seria bom passar por lá ainda hoje, mesmo que para um simples pit stop.

Desarrumamos parte das nossas malas, penduramos algumas roupas no armário e saímos em direção às eclusas do Canal Rideau. Ao passar pelo Fairmont Château Laurier procurei pelo Elephant & Castell que deveria estar na esquina em frente. Para a minha frustração, não o encontrei. Já não existe mais. Em seu lugar um espaço vazio e apagado, desses que se passa em frente e não se nota.

É, na América tudo muda rápido. Agora, como a amizade do Fernando, Ulisses e Luna, a Mossehead do Elephant & Castell só será revivida nas minhas gratas e felizes recordações.

Meus caros, a cerveja vai ficar para outro dia, sabe-se lá onde. De qualquer forma, obrigado pela companhia.

 

Ottawa, junho de 2016.

 

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