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Mestre Pastinha (Pincuda F68)
03/10/2015 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

Em 1965 o sonho de qualquer jovem do sul do país era viajar
para o nordeste, em particular para Salvador. E o Universitário se alvoroçou
quando dois colegas do tempo do Colégio de Aplicação, que no momento cursavam
medicina na Unicamp, o convidaram para a aventura : ir de carona para Salvador!
Um deles tinha parentes lá, então a hospedagem e a comida estavam garantidas.
De carona, com um pouco de sorte, em quatro a cinco dias chegariam à Bahia,
passando pelo Rio de Janeiro. Dinheiro seria necessário apenas para os lanches
na estrada.
Feitas as contas, juntando um dinheiro ganho em seu
aniversário com algumas contribuições extras de suas irmãs e de sua mãe, o
Universitário tinha exatos quarenta e oito cruzeiros, o que era pouco. Mas como
os colegas viajavam com alguma sobra, e se propuseram a ajudá-lo se necessário,
ele se decidiu a ir para a Bahia de São Salvador.
Segunda feira cedinho juntaram-se os três no início da Via
Dutra, mas só à noite conseguiram chegar ao Rio, onde se encontraram no
apartamento de um conhecido, no Flamengo. Dia seguinte, após conversas com
outros estudantes no barzinho onde foram tomar café, a decisão foi de fazer de
ônibus o resto da viagem. A estrada ruim e o medo de assaltos estavam tornando
muito difícil conseguir caronas, ainda mais em grupo de três. Comprada a
passagem, o Universitário viu que lhe sobravam pouco mais de vinte cruzeiros, o
que era um problema, pois uma passagem de volta custaria pelo menos vinte e
dois cruzeiros. Mas esse problema parecia muito distante quando a visão de
Salvador foi se firmando no horizonte. A excitação e a emoção estavam em
primeiro plano.
A estadia na Bahia foi primorosa. A mansão onde se
hospedaram, no bairro do Canela. O parente do amigo que os acolheu, cuja
família providencialmente estava viajando para a Europa. A comida, que a tia do
amigo lhes servia, caprichada, explorando todos os recursos da culinária baiana.
Os programas e passeios que lhes eram proporcionados, culminando com show de
Caetano e Maria Betania no teatro Castro Alves e vernissage na galeria Bazarte.
Nesta última começou uma brincadeira que seria a marca dessa viagem. O
Universitário tinha certa semelhança com um ex-governador do estado de São
Paulo, o famoso Dr. Adhemar de Barros. Essa semelhança levou o amigo baiano,
depois de umas taças de vinho, a apresentá-lo aos demais presentes como
Adhemarzinho, filho do Dr. Adhemar de Barros. E Adhemarzinho, podendo ter um
avião à disposição, viajava incógnito e de carona, para melhor conhecer o povo
de seu país, dizia o baiano! A reação dos apresentados beirava a loucura, era
impressionante a popularidade que o político paulista tinha naquele meio.
Choviam convites para festas, passeios, visitas, uns até garantindo que
mandariam carro com chofer buscá-los em casa! Era demais para a cara de pau do
Universitário, mas um convite foi aceito : uma festa no sábado à noite na Lagoa
do Abaeté, com comida e bebida livres, alem da condução, que foi buscá-los em
casa, no Canela!
De todas as experiências dessa viagem, três foram
inesquecíveis. A primeira, passar uma tarde de domingo no Pelourinho, vendo
Mestre Pastinha jogar capoeira com cada um de seus alunos, a começar pelos mais
velhos, já mestres também, como o João Grande. O Velho Pastinha, já com mais de
setenta anos, cego de um olho, passava um a um os seus alunos, e a todos
cumprimentava pelo nome, agradecendo. A segunda foi visitar o Instituto Nina
Rodrigues, onde ainda estavam expostas as cabeças de vários cangaceiros, entre
elas as de Lampião, Maria Bonita e Corisco. Espetáculo macabro. E a terceira
foi passar a noite de sábado na festa do Abaeté, lua cheia na areia branca. Foi
uma festa tão bonita, que até o fato de todos o chamarem por Adhemarzinho
acabou combinando, pois nunca o Universitário, como Universitário, teria chance
de estar presente numa comemoração tão extravagante.
No fim da festa começou a preocupação com a viagem de volta
para casa!
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro