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MAIS UM DIA DE POEIRA NA ESTRADA (Ópio; F95)

20/05/2023 - Por paula marques meyer
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O censo demográfico está "finalmente" no fim... pelo menos a coleta está por poucos dias de encerrar.

Cada telhadinho na imagem de satélite deve ter uma coordenada de GPS batida e discriminada. Além disso, cada ponto de energia residencial também precisa ser visitado, para se ter certeza de que ali não há morador. Isso na zona urbana é fácil, mas na zona rural é outra história BEM mais longa e custosa.

Neste último rescaldo, a coordenação nos indicou possíveis pontos que o IBGE não visitou. E lá fomos nós, com quibes e bombons na matulinha, para um dia cheio de poeira.

Após horas de sacolejo, fomos visitando os tais pontos de energia e telhados, vários em meio ao canavial, mas nada de importante foi encontrado: poço com caixa d'água, barracão de guardar maquinário, enfim, um dia quase perdido.

Até que, próximo das 18h, fomos buscar o último ponto. Com um carro vindo na contramão na estrada de terra, dei espaço para ele passar. De dentro de um corcel surrado, me acena um cara com cara de espanto, sorri um sorriso largo e diz: "O IBGE? Estão aqui para fazer a pesquisa, né? É só ir reto, quebra à esquerda, acelera na areia, passa a porteira, bordeia o mato, vai até o fim da estrada e chega na minha casa; minha família está lá". Eu não tinha aberto a boca e Seo Donizeti sabia o que buscávamos. Óbvio, pois sua casa era o ponto final daquela estrada.

Tal casa era tão escondida que não conseguimos sequer encontrar o seu telhado na imagem de satélite, porém a coordenada de energia elétrica estava lá... Dona Érica nos atendeu já informando que tinha tentado ligar para o IBGE no 137, mas que nunca conseguiu falar. Era objetiva e rápida nas respostas:

- Sexo? - Feminino.

- Cor? - Branca.

- Abastecimento de água? - Poço artesiano.

- Destino do esgoto? - Fossa comum.

- Destino do lixo? - Levamos até a caçamba.

Respondia sem fazer firulas, pois sabia que nosso tempo era precioso e o sol já tinha se posto. Até parecia que ela conhecia cada pergunta daquele questionário. Sim, aquela família esperava, ansiosamente, o IBGE chegar ali para torná-los, enfim, BRASILEIROS.

Ao deixar o sítio, já com a fraca luz do jipe alumiando a escuridão, encontramos Seo Donizeti no caminho, dando manutenção no cabeamento da granja vizinha. Nos acenou, sorriu novamente e disse: - "Puxa vida, achava que a gente ia ser esquecido. Que bom que vocês vieram. Aliás, como pode ter gente que maltrata vocês? Eu assisto o noticiário e vejo as dificuldades que o pessoal do IBGE passa. Olha o horário que vocês estão trabalhando! Já é noite e vocês estão aqui neste fim de mundo, para fazer o nosso censo".

Agradeci o elogio com um sorriso amarelo, na tentativa de esconder a emoção que me tomava, e respondi: -"Seo Donizeti, eu achava que a humanidade havia se perdido no caminho, mas hoje, ao encontrar a sua família, percebi que a humanidade entrou no rumo novamente. Obrigada pelo reconhecimento". E saí enxugando as lágrimas que teimavam em escorrer pelo longo caminho de volta!

Paula Marques Meyer (F95) é analista agrícola do IBGE e coordenadora regional do Censo Demográfico.

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