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Incluir. Radicalmente. Já. (Alma; F97)

07/09/2021 - Por fernando de mesquita sampaio
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Em conversa recente, um representante do setor empresarial mato-grossense confessou: "Você pode mostrar lá fora toda a excelência da nossa produção agropecuária. Mas apenas uma imagem, como a das pessoas na fila da doação dos ossos do açougue para fazer almoço, demole qualquer conceito de sustentabilidade que estejamos pensando em promover."

"Eu sinto vergonha", acrescentou. Eu também sinto vergonha. Como explicar pessoas na fila do osso em um Estado cuja população é de 3,2 milhões de pessoas (um bairro de São Paulo?) e cujo rebanho bovino é de 30 milhões de cabeças?

Não há respostas simples quando o país atravessa uma crise sanitária, econômica, política, ambiental e energética sem precedentes.

Pessoas estão sem dinheiro para comprar comida por falta de renda. E isso não é culpa do agronegócio. Pelo contrário, é este setor quem puxou o crescimento econômico e a criação de vagas de trabalho durante a pandemia. Ainda assim é uma vergonha que um país que se vanglorie de ser um grande produtor de alimentos conviva com imagens como essa.

Respostas populistas como as famosas retenciones argentinas e congelamento de preços tiveram resultados desastrosos no passado, aqui e lá. As receitas da velha esquerda como reforma agrária não servem mais.

O fato é que o país precisa de um novo modelo de desenvolvimento que seja radicalmente inclusivo, ou continuará a aprofundar o fosso social de sua Belíndia, a mistura de Bélgica e Índia da fábula de Edmar Lisboa Bacha.

Não tenho a pretensão aqui de propor um novo plano econômico para o Brasil. Mas olhando a realidade rural em Mato Grosso, alguns elementos para essa inclusão no campo pelo menos podem ser destacados.

Em primeiro lugar, Mato Grosso pode ser um grande exportador de commodities. Mas importa frutas, legumes e verduras de estados vizinhos, quando tem em seu território mais de 85 mil famílias dedicadas à agricultura em pequenas propriedades. Apesar de ocuparam 14% do território do Estado, ocupam 60% da mão de obra no campo.

Além disso, mais da metade do Valor Adicionado Bruto da produção em Mato Grosso, concentra-se em 20 municípios, dos 141 municípios do estado. Fora do eixo das commodities, é onde a pobreza e pequenos produtores se encontram, à margem do processo de desenvolvimento.

Investir na agricultura familiar e em cadeias locais pode ser um motor de desenvolvimento regional e recuperação econômica. Isso inclui a criação de capacidades, regularização fundiária e ambiental, fortalecimento organizacional de associações e cooperativas, conectividade e também o empoderamento das mulheres. Multitarefas, sem medo de aprender, e acostumadas a redes de apoio, mulheres no campo podem ser aceleradoras da transformação que se deseja.

Investir na bioeconomia, agregando valor a produtos da biodiversidade poderia gerar novos negócios inclusivos e capazes de trazer valor, emprego e renda a regiões com ativos ambientais nos biomas mato-grossenses, incluindo populações indígenas e tradicionais.

Investir na agenda da restauração florestal, poderia gerar emprego, renda e aliar a recuperação social e econômica à mitigação e adaptação de riscos climáticos, o maior desafio da nossa era e possivelmente a maior ameaça ao setor do agronegócio no futuro.

Propriedades em regiões com pouca vocação agropecuária poderiam ser destinadas à compensação ambiental e à restauração, tornando-se produtoras de água, biodiversidade e carbono.

E obviamente, ao invés de abrir novas fronteiras, investir na otimização das áreas consolidadas, recuperando com tecnologia áreas que são capazes de produzir muito mais do que produzem hoje.

Planos de Recuperação Verde estão sendo discutidos desde o início da pandemia em diversos países. Não há muita novidade nisso ou nas propostas que vão acima. Através de sua Estratégia Produzir, Conservar, Incluir, ou de programas como Partnerships for Action on Green Economy e REDD Early Movers, Mato Grosso tem avançado em políticas e ações em prol de um crescimento verde e inclusivo.

A novidade é que está escancarada, em cada esquina, a necessidade de acelerar radicalmente essa inclusão. E a resposta ao desafio do clima. E mesmo assim, para muita gente, ainda é difícil enxergar.

PS

Em um adendo a este artigo, uma, ou algumas, recomendações de leitura.

Em 2012, os economistas Daron Acemoglu e James A. Robinson publicaram "Porque as Nações Fracassam. As origens do poder, da prosperidade e da pobreza".

É provavelmente uma das melhores obras para se interpretar a razão do subdesenvolvimento de países. Basicamente, para os autores, nações prósperas são as que conseguem desenvolver instituições sólidas e um Estado de Direito onde a lei de fato vale para todos e não para grupos de privilegiados.

Em "Um Capitalismo para o Povo", Luigi Zingales opõe as vantagens do capitalismo clássico baseado no livre mercado, no esforço do trabalho e do mérito ao que ele chama de capitalismo de compadrio, onde determinados setores sequestram instituições para fazê-las agir a seu favor.

Agora, em 2021, Daron Acemoglu, Nicolás Ajzenman, Cevat Giray Aksoy, Martin Fiszbein e Carlos A. Molina acabam de publicar um novo estudo pelo National Bureau of Economic Research - NBER.

O estudo intitula-se "(Successful) Democracies Breed Their Own Support". Estudando diferentes países, e o apoio de suas populações a regimes democráticos, o estudo documenta com dados que 291 / 5000

Neste artigo, documentamos que o apoio à democracia aumenta significativamente quando os indivíduos são expostos a práticas e instituições democráticas. Mas aumenta especialmente quando essas instituições democráticas entregam resultados em termos de crescimento econômico, paz e estabilidade política e serviços públicos.

Se alguém ainda precise que se desenhe a situação atual do Brasil, esses autores já o fizeram.

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