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Crescimento e Independência do Setor Lácteo Nacional (Rabicó; F93)

26/06/2018 - Por wiliam tabchoury
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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CRESCIMENTO E INDEPENDÊNCIA DO SETOR LÁCTEO NACIONAL

O filósofo e economista britânico Adam Smith é considerado o pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo econômico. Ele nasceu em 1723, na Escócia, há praticamente 300 anos atrás.

Ele defendia duas teses intrigantes: uma que dizia que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos, movidos pelo seu próprio interesse ("self-interest"), que promoviam o crescimento econômico e a inovação tecnológica.

            À outra, postulava a ação independente da iniciativa privada, que deveria agir livremente, com pouca ou nenhuma interferência governamental. Em suma, ele afirmava no seu pensamento: "não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu "auto-interesse".

Decorridos quase um mês da paralisação de 11 dias dos caminhoneiros, dois fatos ficaram patentes: primeiro: ela foi realizada para defesa do interesse próprio e único dos caminhoneiros. Por fim, contou com uma intensa (porém ineficaz) interferência governamental.

Muitos brasileiros, indignados com a situação atual do País, movidos pelo bom sentimento e desejo de mudanças profundas nos três poderes governamentais (e em todas as suas instâncias), embarcaram na "luta dos caminhoneiros". Desembarcaram logo, assim que se depararam com o desabastecimento, prejuízos, sensação de abandono e percepção da realidade crua e nua dos dois fatos citados acima.

No setor lácteo não foi diferente: ele prestou apoio inicial ao movimento e arcou com à sua maior cota de prejuízos, jogando fora milhões e milhões de litros de leite, alimento nobre, que virou "lixo" no campo, sem falar no desabastecimento das fazendas.

Vale ressaltar que, dentre todos os alimentos, o leite é o produto mais perecível que existe no campo, com validade de 1 dia na fazenda. Ele deve ser ordenhado das vacas (uma, duas ou três vezes/dia), refrigerado e escoado à indústria diariamente.

Os efeitos já são sentidos, no campo e na cidade. Segundo o Rabobank, a captação nacional de leite caiu 20% em Maio/2018, o que deve reduzir a oferta de leite em 6% no segundo trimestre deste ano. Além disso, o banco estima uma redução de 9% na produção, quando comparada ao mesmo período de 2017.

Com a forte queda na oferta, tem-se uma inevitável elevação nos preços do leite ao consumidor. Segundo o CEPEA - ESALQ/USP, o preço do leite UHT subiu 28,6% no atacado no estado de São Paulo, saltando de R$ 2,45/litro para R$ 3,15/litro, em apenas 15 dias úteis (de 25/05 a 15/06/2018).

Além disso, os preços de leite ao produtor, em Maio/2018, ficaram abaixo do ano passado e de 2014, de acordo com o próprio CEPEA, demonstrando que a produção enfrenta uma situação muito desfavorável na sua relação de troca, especialmente com a elevação do preço dos concentrados, dentre outros componentes de custos.

Por fim, pouco ou nenhum efeito prático ocorreu na redução do valor do frete, que é um importante componente de custo de todo o setor lácteo: produção, industrialização, distribuição, atacado e varejo, o que poderia ter ajudado na redução do custo de produção e do preço no mercado.

 Diante de um cenário de estagnação econômica (com provável retração do PIB em 2018), a demanda segue enfraquecida. A recente elevação dos preços de leite no mercado pode travar o consumo, o que pode causar um efeito ainda pior no campo. Alguns especialistas acreditam que isso pode provocar uma eventual antecipação na queda típica do preço do leite ao produtor, que historicamente ocorre em setembro.

Essa conjuntura é um bom exemplo para se refletir sobre os postulados tricentenários de Adam Smith, ou seja, de crescimento econômico movido pelo próprio interesse e, ainda, de ação independente do setor.

Nesta linha, da porteira para dentro, há espaço para aumento da produtividade nacional, que ainda patina na casa dos 1.600 kg de leite/vaca.ano, através de investimentos na melhoria genética do rebanho, alimentação, manejo e conforto dos animais.

Da porteira para fora também há muitas oportunidades a serem exploradas, através de maior integração e ação sinérgica entre os agentes da produção e indústria.

Nos países desenvolvidos isto foi feito com base em três pilares: forte estímulo à demanda, crescimento da produtividade das fazendas e, por fim, fusão e fortalecimento do setor industrial (liderado preponderantemente pelo sistema cooperativista).

Isto pode e deve ser feito aqui no Brasil, começando pela ação independente do setor, baseada na defesa dos seus próprios interesses e inovação tecnológica.

 Mais do que nunca, o momento é adequado e oportuno para a criação de uma agenda voltada para a defesa dos interesses convergentes, pautada sempre no "aumento do tamanho do bolo".

O desenvolvimento do setor no futuro está condicionado à sua capacidade de organização e de defesa dos seus próprios interesses, que promovam o aumento da demanda, o incremento da eficiência nas fazendas e o fortalecimento do setor industrial.

Que esta seja a nova agenda do setor lácteo nacional para os próximos anos, em busca do seu crescimento, independência e sustentabilidade!

Wiliam Tabchoury, é Engenheiro Agrônomo, formado pela ESALQ/USP e Gerente de Contas Leite e Produto Holandês da CRV Lagoa.

Sertãozinho, 20 de junho de 2018.

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