Blog Esalqueanos
Contraponto (Katuaba; F85)
27/11/2017 - Por paulo varella conceiçãoAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Acompanhando
à distância, tem sido interessante acompanhar como o Brasil se politizou. Estou
fora há 21 anos, quando imigrei para o Canadá. Mas o velho ditado nunca me foi
mais claro, saí do Brasil, mas o Brasil
nunca saiu de mim. O mesmo e talvez de forma ainda mais aguda se aplica à
ESALQ.
Voraz
leitor de tudo o que acontece no nosso país, na agricultura e no meio
empresarial brasileiro, é muito interessante a visão "de fora para dentro" que
me traz a distância geográfica. O mesmo advém do olho acadêmico que minha
profissão me traz. Hoje, trabalho como vice-diretor da Bissett School of
Business (Mount Royal University) em Calgary, AB - Canadá. A minha área de
trabalho acadêmico é centrada na área de ética de negócios e processos de
tomada de decisão.
Meu
primeiro ponto é o de absoluto encantamento em ver o quanto a agricultura
brasileira se estabeleceu. É ela a principal razão do progresso econômico
brasileiro, os dados são inquestionáveis. Óbvio também é o quanto a ESALQ foi e
é uma das maiores razões desse progresso no setor agrícola. Com a alma de
ESALQueano, me enche de orgulho ver os desenvolvimentos tecnológicos criados
pelos colegas na ESALQ e por esse lindo Brasil, nos vários institutos de
pesquisa e extensão, assim como na iniciativa privada. Não há dúvidas para
qualquer pessoa informada que a ESALQ e seus filhos de fato cumprem missão vitoriosa, formando o
maior núcleo de conhecimento sobre agricultura tropical do planeta.
O segundo
ponto, e aqui volto à minha primeira sentença nesse texto, é observar como
ainda nosso país enfrenta dificuldades enormes para achar a trilha rumo ao pleno
desenvolvimento sócio econômico sustentável. O interessante é que hoje sabemos
que ambos os fatores, o desenvolvimento social e defesa do meio ambiente, são fortemente
interligados. É impossível solucionar um sem arrumar o outro. Vou além e
saliento vertentes acadêmicas que apontam que, nesse momento na nossa história,
as condições sociais e ambientais como limitantes ao desenvolvimento econômico
futuro.
A
incapacidade de implementar soluções nesse desenvolvimento sócio econômico sustentável
nos impede de deixar o ranço do subdesenvolvimento para trás na história
brasileira. Achar essa trilha vai demandar da agricultura algo que ESALQ pode
de novo tomar a liderança. Nossa escola e seus filhos devem se inserir na
discussão política inerente nesses tópicos. Essa discussão é viva e corre em
alta voltagem na retórica social brasileira atual. Não pode a agricultura, como
nossa maior força econômica, se calar frente aos desafios sociais e
ambientalistas brasileiros. Nessas duas frentes, as soluções serão mais
políticas do que técnicas. E é aí que percebo que temos que começar uma pauta
mais positivista.
Vejo na nossa
classe e na retórica dominante do nosso ciclo social e profissional uma postura
deletéria frente aos desafios sociais e ambientalistas nacionais. Se formos
honestos com nós mesmos, não podemos negar alguns fatos críticos e centrais aos
problemas sociais e ambientalistas brasileiros.
Faço uma
lista breve e limitada de pontos factuais abaixo:
· Na área ambiental:
o
O
Brasil é líder mundial no consumo de defensivos por hectare.
o
Devido
ao modelo agropecuário brasileiro, nós adotamos organismos alterados geneticamente
de forma extremamente aberta, sem entender os riscos ambientais plenamente. Enquanto
outros países adotaram essa tecnologia de forma mais cautelosa.
o
Outorgas
equivocadas de uso de água para irrigação têm causado escassez de água e estão na
raiz de situações insustentáveis para populações ribeirinhas.
o
O
descuido com os recursos hídricos, causados pelo desmatamento irresponsável de
bacias hídricas, coloca a atividade agropecuária como uma das causas da
escassez hídrica.
o
A
pecuária extensiva é o maior fator de pressão sobre as florestas brasileiras.
· Na área social:
o
Os
salários do setor agrícola estão entre os mais baixos no setor produtivo
brasileiro. É somente nesse setor que ainda achamos empregados em situações análogas
à escravatura no Brasil.
o
Há
na agropecuária brasileira abusos sociais seríssimos. Por exemplo, violência contra
pequenos produtores em questões de propriedade da terra. Nesse mesmo aspecto,
temos sido testemunhas de atos de violência extrema contra os índios que vivem
em áreas legalmente protegidas.
o
O
latifúndio improdutivo e a especulação e grilagem de terra ainda são um problema
rural sério.
o
O
modelo agropecuário atual favorece o agronegócio de grande escala e penaliza a
unidade de produção familiar.
Sei que
haverá desconforto em ler a lista acima e talvez a reação: Caramba, Katuaba! A agropecuária
é a maior área de sucesso nacional. O produtor rural trabalha de sol a sol, atua
num setor com impostos e taxas absurdos, não conta com o estado para nada e você
quer que a agropecuária seja a solução para todos essas mazelas sociais!
Minha visão?
Bem vindos ao século XXI! Questionamentos sobre responsabilidade social e
ambiental do empreendedor capitalista está em cheque no mudo todo. Se a
iniciativa privada com fins lucrativos não perceber que de forma intencional ou
não é parte do problema, os processos políticos irão impor condições de uma forma
ou de outra. Veja o renascimento abrupto de movimentos populistas pelo mundo a
fora.
O meu
receio é que as soluções podem ser totalmente equivocadas, se não entrarmos
nesse diálogo - nota, diálogo é o oposto a assumir posições heterodoxas. Existe
um imperativo sobre a nossa profissão para que busquemos soluções para os
problemas sociais e ambientais, conjuntamente com a sociedade.
A boa
notícia é que várias empresas e setores pelo mundo a fora (inclusive no setor agrícola)
acordaram para o fato que elas podem e devem ser parte das soluções. Quando
isso acontece, nota-se que o progresso social sustentável não é uma utopia. É,
em verdade, uma realidade palpável e inexorável. Só progredirão os setores, as
empresas, as sociedades que acordarem para esse fato.
O começo
dessa jornada, totalmente nova para nós como profissionais, começa no diálogo.
Inicia-se no questionamento das verdades enraizadas no ontem e cegas para os
desafios do amanhã. É mais fácil cair no fla-flu das posturas políticas enraizadas
e evitar a reavaliação dos dogmas passados. A maior barreira para o progresso
nessa fronte é que normalmente o profissional agrícola conta com uma formação técnica
forte, mas uma entendimento sócio-político que é superficial. Precisamos ter a
humildade de aprender, de escutar, de desenvolver a intenção de acharmos
soluções conjuntas.
Espero que
esse texto curto seja visto como um convite à reflexão.
Saudações
ESALQueanas.
Formado pela ESALQ (Engenharia Agronômica) em 1985. Foi morador da República Mata Burro, presidente do CALQ na Gestão 1984/85. Atuou em agropecuárias e na área de insumos até 1997, quando foi para o Canadá para completar o MBA e PhD em estratégia empresarial na University of Calgary. É Professor Associado da Bissett School of Business na Mount Royal University am Calgary, Canada. Atualmente é vice-diretor da escola. Conduz pesquisa na área de governança ambiental e é professor visitante no Copernicus Institute of Sustainable Development na Utrecht University, na Holanda.