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Compadre (Pinduca F68)

12/03/2016 - Por marcio joão scaléa
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COMPADRE

O nome dele era Compadre. Quer dizer, todos o chamavam por Compadre, o nome real, de batismo, acho que só o departamento de pessoal da fazenda é que sabia. Era Compadre, e pronto.

 

Trabalhava como auxiliar no hangar, na operação e manutenção dos aviões. Começara na fazenda como ajudante de tratorista, passara a tratorista e agora estava lá no hangar : mais aprendizado, mais responsabilidade e mais possibilidade de carreira, nada mau para quem apenas chegava aos vinte anos.

 

Era um típico fronteiriço, brasileiro, provavelmente de colonização gaúcha de logo depois da guerra do Paraguai, mas com um forte componente paraguaio. Sua grande paixão era a lida com gado, viajara bom tempo nas comitivas pelo Pantanal.

 

Era pau para toda obra, sempre se prontificando a ajudar onde fosse necessário. Se o plantio estava atrasado, lá ia o Compadre ajudar as equipes de plantio. Colheita, então, não precisava nem chamar, era o que ele mais gostava de fazer. Sem falar nas arrumações para as pescarias, desde roçar a capoeira para montar o acampamento até mantear e salgar os curimbas que o Rio Miranda insistia em fornecer.

 

Ante véspera de Natal, fazenda se esvaziando, todos procurando escapar e ir se atracar num porto mais familiar, mas o Administrador iria ficar por lá, só descansaria na passagem de ano. Assim como estava programado para o Compadre, que de última hora decidiu mudar seus planos : ao executar sua última tarefa na fazenda, enchendo a pequena piscina plástica do filho do Administrador, perguntou :

 

- Doutor, se não for precisar de mim nestes dias, posso ir passar o Natal com minha mãe?

- Pode, Compadre. Mas será que dá tempo?

- Dá sim Doutor, já estou pronto e se sair agora ainda pego o trem para Ponta Porã e de lá o ônibus para Antonio João.

- Então vá com Deus. Bom Natal para você e sua mãe. Obrigado por encher a piscininha do Leandro.

- Amem, Doutor. Fique com Deus também.

 

Dito e feito, tomou o trem, pegou o ônibus e lá pelas 7 horas da noite já estava em casa. Banhou-se e avisou a mãe que iria dar uma saidinha e que voltaria mais tarde para jantar. A saidinha era para tomar uma cerveja com velhos amigos num bar, bastante procurado por causa das presenças femininas, era daqueles com uma luz colorida no portal, onde quase sempre as cervejas levavam a algum tipo de relacionamento.

 

Mal aberta a cerveja, reboliço no bar, homem traído atrás da mulher, bate boca, arma na mão, corre-corre. Compadre, avesso a confusão, saiu pela porta dos fundos e já estava a uns 15 metros da casa, pelo quintal, quando o disparo na direção da mulher traidora errou o alvo, passou entre duas taboas da casa de madeira, exatamente onde faltava uma mata-junta e alcançou a sua nuca, indo parar na sua bochecha.

 

Era uma vez o Compadre, que com certeza agora está nas comitivas do Céu, com os anjos de Nosso Senhor.


Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro

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