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Clima e água na pecuária bovina (Kusca; F84 com participação do Big-Ben; F97)
17/02/2018 - Por marcos sawaya jankAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Cálculos de emissão de
carbono e de uso de água pela pecuária são superestimados
De um lado,
organizações internacionais propõem a taxação do consumo de carne bovina em
razão do carbono emitido pela pecuária de corte. Não faltam acusações de que a
pecuária é causa direta e quase exclusiva do desmatamento, prejudica o clima e
consome água em excesso.
Do outro, passou
despercebida a notícia que a Indonésia, quarto país mais populoso do mundo, com
260 milhões de habitantes, vai abrir seu mercado de carne bovina para o Brasil.
O país consome só 3 kg/habitante/ano e não quer depender apenas da carne cara da
Austrália ou da carne de búfalo de baixa qualidade da Índia. Ocorre que a
grande maioria das pessoas do planeta quer consumir mais carnes, e o Brasil tem
lugar central para satisfazer esse desejo.
É fato que a
pecuária ocupa 20% da superfície do país, o dobro da área usada pela
agricultura. Por isso o uso da água e as emissões de gases de efeito estufa são
proporcionalmente maiores, o que coloca os bovinos sob intenso tiroteio.
Mas é preciso
considerar a verdade dos fatos e as grandes mudanças que estão acontecendo
nesse setor.
O cálculo dos altos
volumes de carbono emitidos pelos bovinos está correto. Mas há um erro crasso
na estimativa do balanço do ciclo de vida da atividade, que desconsidera o
sequestro (captura) de carbono pelas pastagens e a grande quantidade de carbono
retida e incorporada pelos capins no solo. Incapaz de consumir toda a
quantidade disponível, os bovinos retiram apenas de 30% a 40% do que é
produzido nas pastagens. O restante volta ao solo e se junta às raízes,
reciclando todos os nutrientes do material, inclusive o carbono.
Há ainda uma
controvérsia em relação ao potencial de aquecimento global dos diferentes gases
-principalmente em relação ao cálculo do metano emitido pelos bovinos-, cujas
emissões estariam sendo superestimadas na metodologia atual.
Em sistemas com
pastagens mais produtivas e maior desempenho animal, a incorporação de carbono
pelas pastagens neutralizaria o que é emitido pelos bovinos. Pesquisas recentes
da Embrapa enriquecem a base de conhecimento sobre tema, derrubando a crença
comum de que a pecuária seria necessariamente emissora líquida de carbono.
Já a associação da
pecuária com o desmatamento baseia-se na história da ocupação do território.
Durante meio século a falta de infraestrutura e versatilidade da criação de
gado fez a pecuária ser a única alternativa viável para colonizar as áreas de
fronteiras. Não é mais o caso.
Entre 1990 e 2016,
a área de pastagens caiu de 190 milhões para 165 milhões de hectares,
entregando 25 milhões de hectares para outros usos. No mesmo período, o rebanho
bovino aumentou 40%, e a produção de carne bovina duplicou. A tese do
desmatamento causado pela pecuária não faz mais sentido, ainda que ele ainda
ocorra como exceção, e não como regra.
O uso da água
também compõe o arsenal de ataques à pecuária. Quando se diz que a pecuária
usaria 15 mil litros de água por kg de carne produzida, nunca se esclarece que
99% desse volume vem das chuvas que caem sobre pastos, que retornam para a
atmosfera pela chamada evapotranspiração do sistema solo-planta. As plantas são
verdadeiros dutos, pelos quais a água está sempre subindo das raízes até as
folhas, que transpiram e devolvem essa água para a atmosfera, à semelhança do
que ocorre nas florestas.
O fato é que o
Brasil é um dos melhores lugares do mundo para produzir gado a pasto, pois
temos maior abundância de sol, clima favorável, água de chuva e tecnologia. É
claro que há grandes disparidades na pecuária brasileira e bastante ainda a
melhorar. Mas os ganhos de produtividade e a tendência de intensificação
sustentável da pecuária são inquestionáveis.
Eficiência
produtiva com sustentabilidade é o caminho, e o Brasil tem os instrumentos para
tanto.
Artigo publicado no Jornal "Folha de
São Paulo", Caderno Mercado, em 17/02/2018
(*) Marcos Sawaya
Jank (Kusca - F-84) é especialista em
questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas na
Folha de São Paulo. É ex-morador da República Kbana
(**) Mauricio Palma Nogueira (Big-Ben - F-97) é sócio e diretor de pecuária na Agroconsult Pecuária e ex-morador da República Jacarepaguá