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Centésimo ato de uma peça inesquecível (Vavá; F66)

17/10/2017 - Por evaristo marzabal neves
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(artigo escrito em 2003, 100 anos de formatura)

 

Centésimo ato de uma peça inesquecível

Evaristo Marzabal Neves

Imaginem uma peça educacional no teatro da vida. No tempo, ocupem suas poltronas. Agora, silêncio! Abrem-se as cortinas.


Primeira Apresentação: cenário – ano: 1903; local: Escola Agrícola Prática Luiz de Queiroz/Piracicaba; atores: Candido M. Duarte, João do Amaral Mello, José B. Carmo Lopes, José Maria de Paula, Luiz Eugênio Nogueira, Otaviano de Moraes Sampaio e Odilon Ribeiro Nogueira; motivo: graduação da 1a turma. Aplausos.


Centésima Apresentação: cenário – 100 anos depois (2003); local: ESALQ; atores: mais de 100, indo de Adriano S. de Queiroz a Wellington Hamagushi; motivo: graduação da 100a turma de agrônomos. Aplausos.


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Esta peça, em cartaz perene, foi representada, em um século, por 9.221 atores todos iniciados e educados neste palco educacional. Com tanto tempo em cartaz, parece que jamais faltou apoio e patrocínio. Ledo engano. Voltemos no tempo.


Para que a encenação do 1o ato em 1903 chegasse a bom termo recorre-se a memória e constata-se que 12 anos antes (28/01/1891), Luiz de Queiroz arremata em hasta pública (leilão) a fazenda São João da Montanha, que vem se transformar no palco de todas as apresentações posteriores. Começa a construir a escola palco de seus sonhos. Em 1892, com poucos recursos e sem maior apoio (“para quê uma escola de saber agrícola, se, em aqui plantando, tudo dá”?), Luiz de Queiroz resolve doar a fazenda ao governo paulista, com a obrigação de, no máximo em 10 anos, ali instalar uma escola agrícola. Em 1893, o secretário da agricultura contrata o Dr. Leon Morimont para continuar a administração das obras. Em 1898, morre Luiz de Queiroz, idealizador da peça. Porém, em 29/12/1900, por Decreto n. 863 A, o presidente do Est. de São Paulo Francisco P. Rodrigues Alves oficializava a criação da Escola Agrícola Prática, na Fazenda São João da Montanha.


Pronto? Pelo jeito, mais nada poderia impedir o sucesso da peça. Mais uma vez, ledo engano. Recorrendo à historiadora Marly T. Perencin, os primeiros anos foram os chamados anos difíceis, pois “a implantação deste sistema de ensino em 03/06/1901 não deu certo. Uma serie de fatores contribuiu para este desfecho: o descompasso do programa, o despreparo dos alunos, o choque cultural havido entre estudantes e escola, pressões políticas contrárias à instalação, questões de dissidência e racha no Partido Republicano Paulista-PRP”. Muito tempo se gastou em busca do projeto ideal. Até que, em 1911, com o Secretário da Agricultura Carlos Botelho se estabelece o modelo ideal e “essa primeira escola técnica de 2o grau vai mostrar para o Brasil o que é uma organização curricular, o que é uma metodologia de ensino e um corpo docente voltado para o ensino teórico prático”.


Prevaleceu a visão de Luiz de Queiroz: “Como se constrói uma nação moderna sem ensino técnico?” A missão e metas desta peça eram à busca do progresso científico e tecnológico. Deveria prevalecer no seio da casa educacional o dizer de J. Swift: “Alguém que consiga fazer crescer 2 espigas de milho ou 2 folhas de relva onde somente uma crescia antes, merecerá mais da humanidade e prestará serviço mais essencial do que toda a classe de políticos juntos”. E, assim caminhou, por um século, o aperfeiçoamento e aprimoramento desta peça educacional. Quantos destes atores levaram em sua bagagem e espalharam a missão da peça pelo mundo afora.


Ao longo de um século, os atores assistiram 2 guerras mundiais e conflitos regionais, presenciaram o movimento constitucionalista, ditaduras que provocaram profundas mudanças políticas, econômicas e sociais. Mas a peça e sua casa resistiram, passaram incólumes. Quem, em sã consciência, gostaria de destruir a causa que se envolve e se compromete socialmente à lida com a agricultura e a produção de alimentos? Quem ousaria rasurar o hino desta casa que propala “plantar, criar e conservar. A ESALQ existe p´ra ensinar; cumprindo missão vitoriosa”? Quem renegaria e barraria o final triunfante de sua Ode: “Eia, pois, esalqueanos sem guerra! Co´a a bandeira da Escola na mão, ensinai que plantar nesta terra é lutar pela grande Nação”?


Missão cumprida com a 100a apresentação? Longe disso, daqui a cem anos, na 200a apresentação, os atores em 2103, recebendo o bastão do envolvimento e comprometimento da responsabilidade pública de zelar e cuidar da agricultura, da produção de alimentos e da sustentabilidade social e ambiental, estarão reverenciando os atores que os antecederam desde 1903 e erguendo hosanas ao inspirador e escritor (em vida), produtor e diretor (eterno) desta peça educacional inesquecível e infinita: Luiz de Queiroz. É aquela vontade de fazer valer e dar continuidade ao que o filósofo H. Mendras afirmou, muitos anos atrás: “A agricultura é a maior invenção da humanidade. Tão difícil e grandiosa, que ainda não terminou”. Então, esalqueanos, se ainda não é finita, vamos continuar inventando ciência e tecnologia.


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Evaristo M. Neves, Prof.Titular na ESALQ, F-66, um dos atores da 64a apresentação.

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