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Carnaval (Fifi; F-65)
11/02/2018 - Por roberto rodriguesAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Os produtores festejam assim seu carnaval, com entusiasmo, colhendo e plantando
Roberto Rodrigues *
Domingo de carnaval,
mais uma vez. Foliões de todas as cidades, das menores até as grandes capitais,
já amanhecem cansados com a primeira noite de festança do sábado, e isso quando
não começaram a celebração momesca na sexta-feira mesmo. E se preparam para
sair nos blocos ou atrás de trios elétricos que enchem as ruas de ritmos e de
uma ruidosa alegria sem reservas. Ou combinando com amigos para sambar em
pequenos grupos nos salões enfeitados com serpentinas multicoloridas dos clubes
e bailes fechados. E lá se vão todos, com máscaras, brilhos e paetês,
fantasiados de colombinas, pierrôs, palhaços, piratas, baianas e
mulheres-maravilhas, nessa catarse extraordinária que tudo nivela e anestesia.
Bem-vindo, carnaval.
Os brasileiros bem que merecem um momento de trégua nessa dura quadra que
estamos atravessando, com tantas notícias desagradáveis de violência, de
desentendimento, de corrupção, de falta de compromissos com as reformas que
melhorem o futuro deste maravilhoso País que hoje está quebrado. Ou com o desemprego
que atormenta milhares de famílias, com balas perdidas que enlutam outras, com
as drogas e com as desigualdades que nos vigiam em cada esquina.
E toda gente sai
cantando e amando, esquecida das mazelas todas, com direito à “alegria fugaz,
uma ofegante epidemia chamada carnaval”, como cantou Chico Buarque.
Enquanto isso, nas
cidades há um despertar musical desligado das tristezas do dia a dia, nas
fazendas de todos os rincões brasileiros, quando as luzes da manhã dominical
mal iluminam o horizonte, ouve-se outro barulho, o das máquinas rugindo em sua
saída para o campo. É tempo de colher as culturas de verão. Com outra alegria
estampada no rosto, a alegria de terminar mais um ciclo, fazendeiros de todos
os tamanhos e trabalhadores de todas as raças ligam as colheitadeiras que vão
sendo abastecidas e lubrificadas para um dia de realização.
E rumam para os
talhões onde a soja, o milho, o feijão, o arroz, o amendoim, o girassol estão
maduros para a seara. E enquanto a safra colhida vai sendo transportada por
centenas de caminhões, vagões e barcaças para armazéns, cooperativas,
indústrias ou portos, outros tratoristas acoplam plantadeiras em suas máquinas
e vão semear na área aberta as culturas de inverno, o trigo, o milho
“safrinha”, o sorgo, a aveia, a cevada. Ou a cana-de-açúcar que produz a
cachaça e o açúcar que viram a caipirinha com que os carnavalescos se aquecem
para a festa.
E, como sempre, uns
rezarão para que o domingo tenha sol quente para secar os grãos e facilitar a
colheita, e outros pedirão uma chuva criadeira que faça germinar as sementes do
novo plantio ou as gemas dos toletes de cana. E sem se preocupar com o clima,
com chuva ou com sol, peões ordenham vacas leiteiras, como fazem todos os dias,
no carnaval, no Natal e na Semana Santa; ou tratam do gado de corte estabulado,
dos frangos e leitões que alimentarão consumidores daqui e de dezenas de países
ao redor do mundo.
Os produtores
festejam assim seu carnaval, com entusiasmo, colhendo e plantando. Claro que
também têm suas noites insones, com os custos crescentes, com as margens
diminutas, com contas que não fecham. E seguem pedalando sua bicicleta rural:
se pararem de pedalar, aí o tombo é certo. Seguem carnaval após carnaval, ano
após ano, semana após semana, dia após dia, pela vida afora, com sua nobre
missão de produzir. Até mesmo produzir árvores que dão a matéria-prima para o
confete e a serpentina. Ou os tecidos com que as folionas se vestem, às vezes
um pouquinho só, para a dança esfuziante. Os agricultores e criadores não
cantarão jamais a triste
Quarta-feira de
cinzas de Vinicius e Carlinhos Lyra:
“Acabou nosso
carnaval
Ninguém ouve cantar
canções
Ninguém passa mais
Brincando feliz.
E nos corações
Saudades e cinzas
Foi o que restou”.
Seguirão sempre em
frente, nos dias comuns, nos carnavais e nas outras grandes festas nacionais!
Com menos saudade daquela da marchinha de Jota Jr. e David Nasser, e com mais
esperança no amanhã.
* Coordena o Centro de Agronegócios da Fundação Getulio
Vargas, foi ministro da Agricultura e escreve artigos todas as terceiras
segundas-feiras do mês, é Conselheiro Consultivo e Sócio
Mantenedor da ADEALQ.
Originalmente publicado no jornal "O Estado de
São Paulo", de 11/02/2018