Blog Esalqueanos
André (Pinduca F68)
01/01/2016 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
O Agrônomo convalescia de uma hepatite contraída
Os sessenta dias de "resguardo" foram interessantes por
darem ao Agrônomo a noção da sensação de abandono que se abate sobre um doente
quando começam a escassear as visitas. Nas duas primeiras semanas, ao correr a
notícia de que ele caíra doente, houve uma chuva de visitas, que foram rareando
e praticamente desapareceram nas duas últimas semanas. Nestes últimos quinze dias,
pelo meio da tarde a agitação começava, com a forte expectativa de quem o
estaria visitando naquela noite; lá pelas oito horas da noite a expectativa era
pelo atraso das visitas, que já não iriam poder permanecer por muito tempo; às
nove, nove e meia, a expectativa era se ainda viria alguém; e às dez começava a
tortura : a decepção de mais um dia sem visitas misturando-se com a insônia,
com a expectativa de um dia seguinte igual e com a perspectiva de muitos dias
mais ali naquele cativeiro. Vinham as tentativas de leitura, mas com baixa
concentração, até que pelas seis e meia da manhã, após a decolagem de um avião
de Congonhas que insistia em passar sobre sua casa, o Agrônomo tinha um sono
até o meio dia, quando tudo recomeçava : banho, café/almoço, novas expectativas.
Mercedes Sosa, Milton Nascimento, The Who, Nina Simone e o Catarina (apelido do
Moacir Pereira Oliveira, catarinense, esalqueano, precocemente falecido em
acidente de moto) foram seus companheiros mais freqüentes nesse período. Mas tudo isso também não vem ao caso, pois
esta história era para contar como o Agrônomo comprou seu primeiro carro.
Tudo começou bem lá atrás, ainda no último ano do curso de
agronomia, quando o então Universitário estreitou sua amizade com um colega, o
Amigo 6 e sua companheira, a Amiga1. Época do "Paz e Amor", o casal morava em
uma casinha bem na saída de Piracicaba para São Paulo, que passou a ser o ponto
de encontro de muitos amigos, graças ao ambiente fraterno que ali se encontrava
e aos longos papos, uma pausa na tensão diária de estudo e preocupações com o
futuro : depois da Escola tinha o Mundo! Caído no Mundo, começo de carreira, o
Agrônomo tinha períodos de inatividade, entre as campanhas de pulverização
aérea que coordenava pelo país, períodos em que se revisavam os aviões, sempre
com base
Tudo continuou no último dia de repouso por causa da
hepatite, quando Claiton, o irmão do Agrônomo o convidou para ir a um leilão da
SUCAM (antigo serviço de erradicação da malaria do ministério da saúde) no
bairro da Liberdade. Seriam cento e tantos lotes, jipes, caminhonetes e
caminhões. Dos oito jipes a leiloar, a maior parte estava ruim, uns dois eram
regulares e tinha um excepcional : motor novo (conforme confidenciou seu
motorista, que não queria vê-lo nas mãos dos donos de desmanche da Rua
Piratininga), pintura razoável, capota feinha, mas parachoques primorosos : o
dianteiro com suporte e roldanas para guincho e o traseiro de chapa, com uma
plataforma larga. Seu numero de frota era 244.
Começado o leilão, pelos jipes, o Agrônomo desanimou, pois
os primeiros (e piores) foram arrematados por muito dinheiro. Um dos bons,
então, extrapolou. Até que chegou a hora do 244, anunciado como Jeep Willys
1954 em bom estado de conservação, lance inicial de Cr$2.000,00 (os primeiros
tinham tido lance inicial de Cr$1.500!). Antes de qualquer lance, uma
contestação por parte de um interessado : esse jipe não é 1954, é 1953, basta
ver o formato do capô. Leilão suspenso, e até que se comprovasse o ano do lote
via documento de trânsito, passaram a leiloar os demais veículos. Mais de uma
hora depois, quando as atenções dos donos dos desmanches estavam concentradas
lá na frente, nos caminhões, foi retomado o leilão do lote 244, confirmado como
sendo 1954. Primeiro lance, Cr$2.500,00, entre o dou-lhe duas e o dou-lhe três,
o Agrônomo ergueu o braço e balbuciou dois mil e seiscentos cruzeiros, sob o
olhar incrédulo de seu irmão e acabou saindo do leilão montado em seu primeiro
carro, um legítimo Jeep Willys Overland, ano 1954, cor laranja com capota preta
rasgada, capô alto, biela longa, sem partida e sem freios, mas seu. Que foi
batizado de André, em homenagem ao personagem do livro "Crônica da Casa
Assassinada" de Lúcio Cardoso.
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro