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Agricultura: todos a conhecem? (Vavá; F66)
09/11/2017 - Por evaristo marzabal nevesAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Agricultura:
todos a conhecem?
Evaristo
Marzabal Neves
Um habitante
urbano de um grande centro indo ao supermercado verifica que diariamente encontra
arroz e feijão na gôndola do estabelecimento varejista e imagina a maravilha
que é produzir arroz e feijão todo dia, como ocorre com carros, geladeiras e
outros bens industriais. Será que este imaginário é real? Será que se colhe
arroz e feijão todo dia do ano? Na realidade, ocorreu comigo em conversa com um
amigo morador em São Paulo, desde o nascimento.
Fiquei
imaginando se esta sensação de meu amigo não se estende para outros habitantes
dos grandes centros urbanos que jamais tomaram conhecimento ou pouco leram algo
sobre a agricultura e não entendem como podem variar tanto os preços dos
alimentos. Para este amigo, com breves explicações demonstrei que não era bem
assim e expliquei-lhe os fatores que influenciam a oferta e demanda dos
alimentos e sua maior variabilidade de preços no ano, no comparativo com bens
industriais de consumo. Como?
Vamos nos apoiar
nos serviços e usos dos fatores de produção (terra, trabalho e capital,
principalmente) na agricultura (dentro da porteira) para compreender que nesta
as relações que se estabelecem são biológicas (vidas vegetal e animal),
enquanto na indústria as relações são mecânico-tecnológicas (no antes e no pós
porteira). Indo por partes: para agricultura a terra é indispensável para a
produção agrosilvopastoril (sem ela quase nada se produz), enquanto para a
indústria é, prioritariamente o local físico de sua instalação. E, o que pensar
do clima e temperatura? São fundamentais (safra e entressafra) para a
agricultura, pois implica na oferta estacional da produção que, por sua vez, direciona
a oferta estacional nos usos e serviços dos fatores de produção (maquinas e equipamentos,
uso de fertilizantes e corretivos, sementes, defensivos agrícolas, mão-de-obra,
etc.), enquanto no setor secundário (indústria) a oferta (rotinização do
cotidiano) e demanda podem ser constantes. Se alguns buscam igualar considerando
a agricultura como indústria dir-se-á que é uma indústria a céu aberto, uma
fabrica sem telhado, e, desta forma, sujeita, com efetiva vulnerabilidade aos
efeitos do clima e fatores acidentais (chuvas intensivas, de granizo, seca,
fortes ventos e outros fatores que quebram o rendimento produtivo) apresentando
riscos, incertezas e dificuldades de securitização, não ocorrendo no setor
industrial que apresenta melhor garantia e proteção (via seguro).
Continuando:
como a agricultura trabalha com seres vivos, cresce a importância da
fitossanidade (pragas e moléstias, principalmente), de relevante importância em
seu controle e manejo no fluxo de custos de produção na agropecuária. E, na
produção de geladeiras, carros, etc., qual a importância do ataque ou
incidência de pragas e moléstias em sua produção?
Indo em frente,
sujeita a estacionalidade da produção e diversidade de operações, trabalhando
com seres vivos (vegetal e animal), a mão-de-obra na agricultura
(principalmente a fixa) acaba se distribuindo em diversas atividades, sendo
menos qualificada em relação à utilizada na indústria que é mais qualificada e
especializada (rotinização de operações), nesta com ganhos em eficiência e
produtividade em relação à mão de obra na agricultura.
Em termos de
relações de mercado, a agricultura por apresentar um número elevado de
produtores tem forte associação com os mecanismos de competição pura (muitos
proprietários em milhares de estabelecimentos rurais; produtos com
características homogêneas, elevados custos da informação, livre entrada e
saída) redundando em um tomador de preço no mercado para seu(s) produto(s). Por
sua vez, a montante e a jusante da produção agropecuária (antes e pós-porteira),
o produtor se defronta com poucas empresas ofertantes de suprimentos e no pós-porteira
com elevada concentração de indústrias agroalimentares (principalmente as
indústrias processadoras e industrializadoras) que apresenta domínio da
informação, oferecendo produto heterogêneo, diversificado, diferenciado e adaptado
à segmentação de mercado por faixa etária, com restrição a entrada (elevada
exigência de capital para sua instalação), e, desta forma, tornando-se “ditadores”
de preços.
Existiriam
outras diferenças, mas as apresentadas já evidenciam a diversidade da
agricultura em relação aos demais setores envolvidos na cadeia agroalimentar. Naturalmente
que diante destas características, um agricultor isolado praticamente inexiste.
O que é recomendável é que para aumentar seu poder de negociação e
sobrevivência é que se organizem em cooperativas, associações, formação de
pools, consórcios, parcerias, alianças estratégicas e outros mecanismos de
união, cooperação e força nas negociações entre os diversos elos da cadeia agroalimentar.
Minha impressão
final é que convenci o amigo de que a agricultura guarda características
diferentes dos setores secundário (indústria) e terciário (comercio, serviços,
transporte, etc.) e que se não forem percebidas e conhecidas podem frustrar
qualquer planejamento na produção, e, que ao encontrar o arroz e feijão no equipamento
varejista a qualquer dia do ano é preciso lembrar que são produtos da
agricultura que podem ser armazenados e estocados e oferecidos em pleno período
de entressafra. Há outros produtos como os hortifruticolas que devido a sua
alta perecibilidade e dificuldades de transporte, armazenamento e
frigorificação podem desaparecer por um tempo das prateleiras dos equipamentos
varejistas ou serem supridos via importações, o que encarece demais o bolso do
consumidor.
Diante desta
exposição sobre as características e dinâmica da agricultura resta uma duvida:
todos a conhecem?
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Evaristo Marzabal Neves, Prof. Titular aposentado
ESALQ/USP. Sócio Mantenedor da ADEALQ E-mail: emneves@usp.br
Obs. Artigo solicitado pela Casa do Produtor
Rural/ESALQ e publicado em seu site - 2013