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Acidente (Pinduca F68)
26/12/2015 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Acidentes sempre provocam comoções, principalmente os
aéreos. As reações são as mais variadas, desde o medo até a desconfiança,
passando por fatalidades e coisas deste tipo. O Agrônomo, trabalhando com
aviação agrícola, esteve envolvido em mais de um acidente, mas o que mais o
marcou foi o do Comandante P.
Comandante P. já era de certa idade, tendo até um filho que
era piloto comercial. Voar sempre fora sua paixão. Trabalhara em inúmeras
coisas, do comércio à agricultura, mas sempre tendo um tempinho para a aviação.
Morava numa pequena cidade do interior de São Paulo, região de plantio de
algodão, que era a principal cultura, na época, a se utilizar dos serviços da
aviação agrícola. A paixão e essa proximidade o levaram a trabalhar como piloto
agrícola. Na realidade, pela experiência, ele gerenciava a pequena companhia e,
ao mesmo tempo, operava um avião PA-18, adaptado com tanque de barriga, para
fazer pulverizações. O Agrônomo fazia a parte técnica e o Comandante P.
administrava e voava.
Terminada a safra de trigo no Sul do Paraná, foi preparado o
deslocamento para o Oeste de São Paulo, onde seria o próximo período de
trabalho. O Comandante P. e um outro piloto levariam os dois pequenos aviões e
uma equipe iria por terra para dar o suporte, principalmente gasolina, em
pontos previamente acertados, já que a distancia era longa. O Comandante P.
levou a aeronave até sua cidade, sem problemas, onde chegou ao entardecer,
fazendo dois ou três vôos rasantes sobre o centro, para avisar de sua chegada,
alertando alguém para ir buscá-lo no aeroporto. Ao desembarcar, junto com sua
família que havia ido buscá-lo, chegou à pista o delegado da cidade,
repreendendo-o pelos rasantes, o que o desgostou muito.
O outro aviãozinho tivera uma pane na mufla (escapamento) e
fora obrigado a ficar pelo caminho, numa fazenda no Paraná. Dias depois o
Comandante P. foi por terra até a fazenda, com um mecânico que fez os reparos,
liberando-o para voltar para casa após um vôo de teste. Na ânsia de voltar, o
Comandante P. não quis perder mais tempo e decidiu não reabastecer a aeronave,
fazendo um tiro único até sua cidade. Foi o primeiro fato, pois no banco de
trás do avião havia um galão com gasolina.
Chegando à cidade, mesmo tendo sido advertido pelo delegado,
fez um vôo rasante sobre o centro, para avisar de sua chegada. Foi o segundo
fato, pois passara sobre a pista para ir à cidade, tendo agora que voltar
alguns quilômetros para pousar.
Ao fazer o rasante, o motor "calou", como se diz na gíria de
aviação : parou de funcionar por falta de combustível. Estando sobre a cidade a
baixa altitude, o mais apropriado teria sido "despejar" o avião em qualquer
lugar, pasto, campo de futebol, estrada, ou o que fosse mais próximo. Haveria
algum estrago no aparelho, mas com baixo risco para o piloto e para a
população. O terceiro fato foi a decisão de tentar alcançar a pista, distante
alguns quilômetros.
Com o motor parado, o Comandante P. conseguiu ir planando
até a cabeceira da pista, onde poderia ter arrebentado os fios que eram o
último obstáculo, novamente com alguma avaria no avião e na rede, mas sem risco
de vida. O quarto fato foi a decisão de tentar ultrapassar os fios sem bater
neles, o que provocou um desequilíbrio no avião, que virou de dorso e caiu,
matando-o instantaneamente entre as ferragens.
Essa é a anatomia de um acidente : seqüência de fatos,
coincidências ou não, erros ou não, que levam a um desfecho que pode ser
trágico. Evitar um acidente é ter a capacidade de identificar essa seqüência de
fatos e interrompê-la, só que esta decisão pode ser, muitas vezes, dolorosa ou
embaraçante.
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro