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A Humanidade como Arquipélago

04/01/2020 - Por alberto nagib vasconcellos miguel
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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No começo, éramos poucos. No começo, andávamos em pequenos grupos. No começo, não passávamos de 150 pessoas em uma tribo (Harari, em Homo Sapiens, supõe que a razão para esse limite eram as fofocas no grupo, vejam só...).

A transição de pequenos grupos para megalópoles só foi possível por conta da criação de entidades abstratas, ainda segundo Harari, cujo papel era manter coeso grupos maiores sob um único guarda-chuva, fosse ele religioso, nacionalista, imperial, ou mesmo uma entidade abstrata privada, como por exemplo empresa públicas e privadas.

Essas entidades abstratas passaram a ser a razão de existir de grupos enormes. O ser humano precisa “pertencer” a um grupo. No começo, a família. Depois, a tribo. Depois a nação e assim por diante. O que tivemos, por algum tempo, foram entidades abstratas poderosíssimas que tinham em comum a capacidade de aglutinar milhões de pessoas sob o seu ideal.

Assim surgiram a Igreja Católica, a Igreja Muçulmana, o Império Britânico, o Império Turcomano, o Império Chinês e tantos outros.

Porque esses impérios (inclusive religiosos) são entidades abstratas? Porque elas só existem na consciência das pessoas e não são naturais. São fruto de uma escolha consciente de se “acreditar” em algo comum. Assim são os Estados – entidades abstratas cuja existência só é devida ao consciente coletivo de que “pertencemos” a um determinado padrão societário, cujas regras, culturas e tradições nos dão o sentido de que participamos como agentes, passivos ou ativos, deste grupo.

Esta organização societária funcionou por alguns séculos, com uma contínua evolução destas entidades abstratas. Hoje, são tão diversas quanto o número de empresas privadas e públicas, países, entidades religiosas e outras formas de associação que conseguem manter coesos milhares, milhões ou mesmo bilhões de pessoas pelo mundo afora. E estas entidades se tornaram “entidades dentro de entidades” abstratas, com muitas pertencendo a uma terceira entidade abstrata.

Aqui, neste momento da nossa história, tudo parece se deteriorar. E, de fato, talvez pelo mesmo motivo pelo qual não mais de 150 pessoas podiam se manter coesas no começo de nossa existência como sociedade, nós estamos nos afastando.

Daí a noção de que estamos nos transformando em um Arquipélago, e estamos nos tornando prisioneiros de onde estamos ilhados. As pontes entre estas ilhas estão-se queimando uma a uma e a sociedade está nos limiares de sua destruição (ou assim nos parece). Cada vez mais vemos divisão, retaliação, incitamentos e troca de insultos e acusações.

Cada vez mais relacionadas com algumas entidades abstratas modernas, as mídias sociais, cujo valor social é questionável, as pessoas estão perdendo a noção de sociedade. Nesse ponto, buscam afirmação nestas novas entidades abstratas modernas, e são retroalimentadas por mais e mais informações pertinentes à sua própria ilha, o que continua reforçando a impressão de que o que a ilha onde estão ancoradas, a ilha na qual “pertencem”, é a correta, tem todas as soluções para os problemas da sociedade e somente essa visão pode prosperar.

E continuamos a queimar as pontes.

O que vai acontecer a seguir, somente o tempo dirá. Estamos diante da opção orwelliana de 1984 ou de um futuro descrito por Gildin in The Great Disruption. Nossas decisões, nossa habilidade em navegar essas águas turbulentas e a consciência de que somos todos diferentes mas que precisamos, por causa do enorme número de pessoas na nossa sociedade globalizada, estabelecer limites às nossas demandas e participar de uma sociedade justa e equilibrada.

Pelos nossos filhos. Pelas futuras gerações.

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