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A agricultura digital e o diálogo com o agricultor em busca de seu contexto para propor soluções reais.

15/03/2021 - Por evaldo kazushi takizawa
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Num diálogo com o “Urutu” (Renato Agnelo), um nobre amigo da turma de 1990, surgiu uma reflexão a respeito da dificuldade da popularização da agricultura digital em todos os cantos desse enorme Brasil, este assunto ficou como um desafio a ser solucionado, principalmente como um legado de nossa geração para os novos profissionais que estão surgindo aos montes.

Para isso surgiu um tema que a princípio sem nenhum vínculo com o título deste texto: uma aula do cultivo da mandioca e uma palestra no TED da Tania Douglas, uma professora na Africa do Sul de engenharia biomédica com o título: “Para criar melhores tecnologias, é preciso entender o contexto.”

A começar com a aula de mandioca por várias razões a melhor época do plantio numa determinada região era o mês de maio, mas os agricultores de forma geral faziam o plantio em outros momentos que não o melhor mês e isso de certa forma gerava uma irritação ao especialista em mandioca.

Após ter cursado a disciplina do cultivo da mandioca, meu amigo Urutu foi saber com agricultor antigo, o “por quê” de não se cultivar a mandioca no mês de maio, um vez que vários argumentos técnicos levavam a essa data, a resposta foi simples: como não havia irrigação e sem chuva em maio, não era possível obter sucesso no plantio, o contexto regional  nunca foi conhecido antes de gerar a recomendação do especialista.

No tema da palestra da engenheira de biomedicina na África ela apresenta um “cemitério” de aparelhos médicos bastante avançados na África, enquanto um estetoscópio de Pinard (um instrumento obstétrico que serve para avaliar a freqüência cardíaca fetal, na forma assemelha a uma corneta) é utilizado a séculos pelas parteiras nas comunidades mais distantes e pobres.

O monitor de ultrassom com todo aparato tecnológico que mostra a frequência cardíaca de feto com a maior precisão é infinitamente melhor do que o estetoscópio de Pinard, porém este aparelho eletrônico carece de uma sala climatizada, técnicos treinados para manipulá-la, energia elétrica estável, enfim algo básico em qualquer grande cidade no mundo.

Quando 2 jovens inventores de Uganda, Aaron Tushabe e Joshua Okello conhecendo o contexto das comunidades pobres no continente africano e quando visitaram um hospital pré-natal, criaram um estetoscópio adaptado a um “smartphone” e solucionaram o problema quando as parteiras não conseguiram ouvir com precisão os batimentos cardíacos do feto.

Outro jovem estudante de engenharia em Botsuana entendendo o contexto de usuários de aparelhos auditivos que não tinham condições de trocar as baterias de alto custo de seus aparelhos, criou uma bateria recarregável com energia solar, mais um exemplo do conhecimento do contexto local antes de criar uma tecnologia.

Assim existem outros exemplos da falta do conhecimento do contexto próprio do usuário que se pretende oferecer a tecnologia, desta forma Tania Douglas, diz: “as vezes é importante tirar o foco da tecnologia e reformular o problema”, também alerta que as empresas diante do insucesso assumem que os clientes não sabiam o que queriam, justificando o fracasso antes de enxergar as necessidades reais em nossa busca por tecnologia.

Desta forma Tania Douglas sugere: "concentrar em pessoas capazes de perceber as necessidades reais e encontrar soluções que funcionam, foco concentrado nas necessidades, pessoas e contexto. Se assumirmos que não conhecemos o suficiente e para entender o contexto uma interação superficial não basta, passar um tempo ouvindo e se engajando para saber o suficiente para propor uma solução, entendendo o contexto, é necessário um envolvimento profundo e uma imersão nas realidades e complexidades de cada comunidade".

Um exemplo a ser seguido foi a obra do professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) do departamento de Fitotecnia Dr. Paulo Geraldo Berger, com o livro “Algodão no Cerrado: Logísticas e Operações Práticas”, volumes I e II. Ele passou seis meses nas propriedades do Grupo Terra Santa Agro no Centro-Oeste do Brasil, mesmo sendo um especialista no algodão viveu todo o contexto de uma empresa produtora de algodão antes de publicar seu livro.

Na agricultura digital, uma das habilidades primordiais do homem que é a comunicação ou diálogo passou a ser a chave para evoluir numa plataforma capaz de trazer soluções para o mundo agro, sem esse diálogo e uma interação com envolvimento profundo, estamos fadados a levar mais uma tecnologia digital ao “cemitério das tecnologias digitais”.

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