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Combate à Violência ou Autopromoção? (Big-Ben; F97)

30/03/2015 - Por mauricio palma nogueira
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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O nível das denúncias sobre o trote na Esalq, e a repercussão que o assunto tomou na mídia, exige uma reflexão. Não há verdade justa que possa ser contada por apenas um dos lados, e infelizmente é o que temos visto em torno do tema. Generalizações marcam o tom das matérias.

Como ex-aluno, me sinto preocupado. Morei durante todo o período estudantil na república Jacarepaguá, a segunda mais antiga. Nunca presenciei, nem de longe, os acontecimentos que têm sido denunciados por um dos professores da instituição.

Se as acusações forem verídicas, é fato que as coisas perderam totalmente o sentido. O que antes era saudável teria tomado proporções inaceitáveis. Se assim tiver acontecido, a solução não é apenas a punição de jovens envolvidos nestas barbaridades; isso não bastará.

Será preciso estudar e entender o que de tão grave teria acontecido nas últimas duas décadas para que a sociedade produzisse uma geração de delinquentes. O que teria causado tamanho desvio na conduta por parte dos jovens que chegam à universidade? Superproteção, ausência de limites, debates cada vez mais ideologizados e desprovidos de bom senso, produção cultural escassa em valores sólidos e ricas em maus exemplos poderiam ser apontados como as causas.

No entanto, me sobram razões para duvidar que o comportamento dos estudantes tenha atingindo o nível apresentado nas denúncias.

Em nossa república, que completa 60 anos em 2015, nós mantemos contato com os atuais moradores. Nos reunimos duas vezes por ano para confraternizações, uma em fevereiro e outra em agosto.

É fato que não estou mais presente na rotina e nem tenho acesso a informações detalhadas do que acontece no dia a dia; sabemos que eles estão lá e quando nos encontramos as conversas se resumem às histórias, à profissão, conselhos, estágios e boas risadas.

No entanto, mesmo sem condições de defendê-los objetivamente, eu não consigo enxergar aqueles garotos como sendo "criminosos", como estão sendo tachados. Pela natureza de meu trabalho, também tenho contato com diversos outros ex-alunos recém formados de outras repúblicas. Tampouco os vejo daquela forma.

Tenham saído da república em que morei ou de outras, trata-se de excelentes profissionais, dedicados, deixando a Esalq já com alguma bagagem, pois uma das tradições de lá é que quase a totalidade dos alunos frequenta estágios desde os primeiros anos. Todos saem exacerbando os sinais daquela vontade de vencer desafios, com brilho nos olhos e muita coragem. Típico de uma juventude bem preparada e motivada.

Mesmo assim, de uma hora pra outra surge um professor denunciando absurdos horrorosos e inimagináveis, que nunca poderiam acontecer dentro de um ambiente civilizado. Telejornais, rádios, blogs, jornais e revistas "on line" passaram a difundir exaustivamente essas denúncias sem nem checar a veracidade.

Os jovens envolvidos, e suas repúblicas, já foram condenados publicamente antes mesmo que as investigações sérias se iniciassem. Será que pensaram na hipótese da inocência? Depois de tudo, quem irá lavar os nomes dos inocentes, e de suas famílias humilhadas, que agora jogam na lama?

O assunto me fez relembrar da existência do professor Antônio Almeida, o protagonista central das reportagens. Quem conhece os ex-alunos da Esalq sabe da paixão e da admiração de todos pela instituição. Essa admiração se estende aos professores, grandes mestres que nos ensinaram, que nos cobraram, que nos exigiram noites e noites de estudo enquanto os flamboyants floresciam no campus.

No entanto, Almeida passa batido; quase ninguém se lembra dele porque nunca foi associado a nenhuma disciplina ou ensinamentos que pudéssemos aplicar profissionalmente. Não acrescentou nada, mesmo para os alunos que dedicaram a maior parte do curso no departamento a que ele pertence.

Eu me lembrei dele por causa de um livro que escreveu há cerca de 15 anos. Na época, alguém indignado me deu um exemplar, pois o livro tratava da vida em república no nosso tempo. As denúncias eram praticamente as mesmas, com generalizações e suposições da existência de uma sociedade secreta com generais, capitães, sargentos, soldados rasos. Coisa típica de maluco relatando abduções. O livro é altamente preconceituoso, com passagens descaradamente generalistas, ofensivas e caluniosas; um contrassenso para quem navega na sociologia.

Na realidade imaginada pelo professor, a alma das repúblicas é o trote, a vontade de torturar e se impor aos demais. No entanto, o que as repúblicas prezam mesmo é a amizade, o companheirismo, a vontade de ajudar, de estar próximo. Os alunos se tornam uma família.

O livro também associava as repúblicas às drogas; quando a realidade era justamente oposta. A maioria delas proibia e, pelo que sei, ainda proíbem o consumo de drogas ilícitas. É o caso da Jacarepaguá.

O autor também traçava um perfil imaginário do morador de repúblicas, estendendo suas acusações às famílias dos alunos. Teoricamente todos pertenciam a uma casta dominadora que havia defendido a ditatura militar. Essa afirmação é tão absurda, e tão longe da realidade por inúmeros exemplos conhecidos, que ficou claro que se existe um assunto no qual o professor Antônio Almeida consegue atingir a incrível proeza de ignorar por completo, esse assunto é a realidade em torno das repúblicas e seus moradores.

Como um pesquisador pode passar anos produzindo "estudos" e livros sobre uma realidade que ele nunca se propôs a conhecer com a devida imparcialidade que a boa ciência exige? Se a produção deste senhor é classificada como ciência, estão explicados os motivos que levaram a USP (Universidade de São Paulo) à crise que chegou.

Embora hoje eu não tenha condições de avaliar o que realmente esteja acontecendo no campus, da minha época eu posso falar objetivamente, inclusive em juízo se for necessário: Almeida mentiu, caluniou, generalizou, ofendeu, inventou histórias que não aconteceram. Aquele seu livro de anos atrás é um compilado de mentiras, nada mais. E pelo que consta nas reportagens, todo o resto da sua produção é apenas mais do mesmo, com "causos" requentados.

Se eu não conhecesse o assunto, e acompanhasse as notícias como leigo, eu já daria o benefício da dúvida aos atuais alunos. No entanto, conhecendo o histórico, todas as minhas dúvidas se direcionam no sentido de questionar a idoneidade deste professor que parece mais preocupado com a exposição da própria imagem, do que com a verdade dos fatos. Se mentiu antes, por que não mentiria agora?

Há, inclusive, o risco de estar havendo motivação política em torno do tema. Em audiência na câmara municipal de Piracicaba, a ex-deputada estadual pelo PCdoB, Sarah Munhoz, que ocupava a vice-presidência da CPI sobre o Trote, disse as seguintes palavras: "infelizmente as universidades públicas estão tomadas pelo que chamo de 'elite paulistana' que, se não for freada, manterá estas práticas sem constrangimento".

A fala da "excelência" dispensa maiores comentários pelo próprio cenário político atual.

O advogado que presta assessoria à CPI, presidida pelo deputado petista Adriano Diogo, foi além comparando as repúblicas aos nazistas torturando e massacrando judeus.

É extremamente preocupante o risco real de que jovens inocentes, exalando a energia típica da idade, acabem se transformando em bodes expiatórios para que um professor atinja os objetivos de sua agenda promocional. Ou que políticos sem propostas, e acuados pela fortíssima pressão da opinião pública, desviem o foco buscando se capitalizar eleitoralmente ao abraçar uma causa nobre queimando algumas bruxas imaginárias.

Esse debate, portanto, está sendo conduzido de forma desproporcional. De um lado, um homem constrói uma pauta há cerca de quinze anos. Do outro, estudantes que tinham menos de 5 anos de idade enquanto esse professor já preparava os argumentos e as denúncias de que eles seriam acusados anos depois, quando entrassem na universidade.

De um lado, uma pessoa articulada, com as ideias ordenadas, posando de paladino para os injustiçados. Do outro, estudantes deslumbrados com os primeiros anos longe de casa, vivendo numa república, aprendendo e conhecendo coisas novas, curtindo a juventude.

Em qualquer entrevista que se faça com os estudantes, é normal que falem inocentemente de maneira humorada sobre o dia a dia. Conquistados pela simpatia do entrevistador (e um entrevistador é sempre simpático antes da entrevista), qualquer um poderá se expor inconsequentemente, de forma a se comprometer e cair direto numa armadilha covardemente preparada.

No entanto, olhando pela ótica desses estudantes, eles estarão apenas se defendendo de calúnias, dando de ombros para os caluniadores, assim como sempre se deve proceder quando um louco te provoca. Duvido que tenham condições de se enxergarem peças num tabuleiro montado por um indivíduo que parece não medir esforços para se promover. O nível das denúncias é gravíssimo. A mídia, no mínimo, precisa analisar com cautela para evitar o risco de que seja usada em prol de uma agenda inescrupulosa.

Reforço que, se forem culpados, é preciso punição exemplar. Mas se forem inocentes, o que fazer para reparar o massacre público a que estão sendo expostos?

Em uma das matérias até o nome do professor Marcus Folegatti, ex-prefeito do campus, foi colocado como se ele fosse conivente com a suposta violência na época em que administrou o campus. Essa colocação é espantosa, pois o professor Folegatti deve ter sido o prefeito que mais combateu abertamente o trote. Inclusive, caiu no mesmo erro de confundir as repúblicas com sinônimo de trotes, atacando-as sem critério.

Também assisti matérias exigindo que o atual diretor condene os alunos que supostamente estariam envolvidos nesses abusos; prova de que os estudantes já foram condenados antes da investigação e da condução de um processo conforme previsto em lei.

Luiz Gustavo Nussio, atual diretor, está agindo corretamente propondo punição rigorosa a quem aplicar os trotes, sem se deixar pressionar. Cedendo à pressão, o diretor correria o risco de conduzir um sacrifício público de bodes expiatórios. Com imensa sabedoria e muita objetividade, não está cedendo às arapucas orquestradas pela turma do holofote. Está agindo conforme se espera de um mestre, de um cientista.

As reportagens apresentam um Almeida com ar de intelectualidade quase sobrenatural, explicando que defender a instituição é punir os trotistas. Provavelmente, em todos os seus estudos sociais, acabou se esquecendo de ler que numa democracia não há condenação sem investigação, julgamento e esclarecimento dos fatos. "In dubio pro reo" já era ensinado pelos romanos há mais de dois milênios.

Almeida precisa entender que não é ele quem decide quem deve ser punido ou não. Levar esse tema de forma tão leviana e irresponsável para a televisão é sim um ato contra a imagem de instituição. Só tolos caem na sua argumentação demagógica. Tolos e interessados.

O mesmo Almeida ainda condenou e pediu a proibição do "Manual do Bixo", uma publicação divertida, bem humorada onde os alunos sempre escreveram enormes barbaridades simplesmente para "zoar" os mais novos e a si próprios.

É sério mesmo que um estudante, depois de passar na seleção mais rigorosa do país, se ofenderia porque um livretinho feito por outros estudantes o chama de bicho burro?

Tem coisas mais ofensivas lá no manual deste ano? Sei lá, pode ter, não vi. Mas o fato é que um iluminado propõe a proibição de um manual na mesma época em que se discute o direito do Charlie Hebdo publicar caricaturas do profeta Maomé em flagrantes sexuais. O que é mais ofensivo? O que é mais mau gosto? O que tem mais impacto? Francamente.

O próprio Almeida não escreveu um livro associando repúblicas às drogas? Eu, que nunca nem cheguei perto de um pito de maconha, me senti extremamente ofendido. E aí?

Por fim, não vou negar que existam ocorrências que passam dos limites. Mesmo sendo exceções, eu nunca vi acontecer nos níveis que estão sendo denunciados na mídia. E mesmo assim, eram imediatamente coibidos pelos próprios alunos. Afinal, como vai se construir uma história de 60 anos humilhando, machucando ou ofendendo o próximo? A Copacabana tem 93 anos. Diversas outras repúblicas estão com 55, 50, 40 ou 30 anos. Como se explica essa legião de sadomasoquistas?

Ah sim, a sociedade secreta sugerida pelo Almeida poderia explicar...! Bom, eu ainda acho os casos de abdução mais plausíveis.

A maior parte dos trotes sempre foi o susto, a pregação de peças, a armadilha, a zoeira, canaleta d´água na mesa do almoço, o horário da excursão para o Monte Morilonita, a caça ao tirisco. Todos riam, ninguém se machucava. São coisas normais da juventude, num período da vida que você e mais cinco ou dez outros de sua idade moram, pela primeira vez, fora de casa.

O tão comentado trote da Esalq sempre foi mais parecido com programas que renderam muito dinheiro para as principais redes de TV do mundo: as pegadinhas. O trote era muito menos expositivo e humilhante do que programas como Casseta e Planeta, TV Pirata, Pânico ou CQC. Ou deputados e artistas podem ser vítimas de bullying?

Perdi a conta de quantas vezes alunos acreditavam que uma situação teatral, inclusive com participação de outros ingressantes, fosse um flagrante de violência inaceitável. E no final sempre era zoeira, uma peça para dar sustos. Para alguns, o mais engraçado ainda era não desmentir.

Se isso é violência, se é crime, se é inaceitável, por favor, avisem logo um fabricante de chocolates que acabou de posicionar sua nova campanha de marketing em quem conseguir zoar os amigos da forma mais criativa.

É mentira que as pessoas eram coagidas a fazer o que os mais velhos queriam, a força se fosse preciso. Um não sempre significou não, e era respeitado. Também é mentira que quem não aceitasse essas brincadeiras seria excluído. A maioria sempre disse não a essas brincadeiras e mesmo assim as amizades floresceram e continuam florescendo. A amizade é a nossa tradição, a bandeira que defendemos. A amizade é importante, não o trote.

Almeida procura a evidência de violência nas repúblicas há pelo menos 15 anos e parece nunca ter achado algo de concreto. Para o "cientista", a possibilidade de que essa violência seja mera especulação não existe. Faz sentido que ele pense assim, pois a realidade prova a inutilidade e o desperdício do trabalho de toda uma vida acadêmica; se é que se pode chamar de trabalho a difusão de calúnia embalada como ciência.

Como qualquer outra pessoa de bom senso, sou contra o trote humilhante e contra violência a terceiros, seja ela moral ou física. Mas sou extremamente favorável à riqueza possibilitada por um ambiente alegre, bem humorado, com a boa e velha zoeira entre amigos, pregando as diversas peças entre si.


Reunião comemorativa aos 50 anos da República Jacarepaguá - foto: Acervo Pessoal

Dou graças a Deus por ter vivido anos maravilhosos e ter feito grandes amigos em todas as gerações de Jacarepaguanos e esalqueanos com quem convivi. Até hoje continuo somando novos amigos, entre os mais velhos e os mais novos.

Em uma das reportagens, Almeida também sugere que as repúblicas e seus estudantes desonram o dinheiro que a sociedade investiu para formá-los. É um ponto de vista. Quem sabe não vale uma pesquisa para confirmar essa suposição? Sugiro que comece analisando a trajetória profissional e a criação de valor a partir da produção intelectual dos ex-moradores de repúblicas nas últimas décadas. Não será tão difícil.

Tenho certeza que o professor se surpreenderá com o retorno de capital que estes ex-alunos trouxeram para a sociedade.

Já o retorno da produção intelectual do Almeida, cujos salários são pagos com recursos públicos... Bom, esse é outro caso a pesquisar; mas é provável que o resultado não surpreenda muito.

Maurício Palma Nogueira (Big-Ben),
Engenheiro agrônomo, formado na turma de 1997 da Escola Superior "Luiz de Queiroz", sócio e Coordenador da Divisão Pecuária da Agroconsult.

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