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SONHO DE CONSUMO

20/07/2016 - Por marcio joão scaléa
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SONHO DE CONSUMO

 

 

O Pesquisador nunca fora muito dado a "sonhos de consumo", a vida lhe ensinara que um dos pilares da felicidade estava em não desejar nada inalcançável. Mas quando a moda das copiadoras domésticas chegou, ele se sentiu balançar : já imaginou a tranqüilidade de ter sua própria copiadora em casa? Os computadores ainda eram raros, as impressoras, hoje tão comuns, mais raras ainda. Poucas residências dispunham de fax. E as copiadoras, importadas, eram muito caras por causa das taxas, sobretaxas e imposto de importação, em meados da década de 90.

 

Nessa época o Pesquisador passou a acompanhar grupos de brasileiros (técnicos, agricultores, professores, pesquisadores) em viagem aos Estados Unidos, para conhecer as novidades na agricultura americana, notadamente o plantio direto e a biotecnologia. Numa dessas viagens, que intercalavam visitas técnicas e paradas para compras, uma faixa na loja de eletrônicos onde os brasileiros se abasteciam de celulares e alarmes contra radar, chamou sua atenção : "Liquidação de Copiadoras".

 

Seu alvoroço foi imediato. É hoje, pensou ele, que compro minha sonhada copiadora. Na secção específica, a decisão era difícil : havia máquinas a partir de US$149 até mais de US$1.500. Sua opção foi por uma intermediaria, na faixa dos US$450, que com um cartucho de toner de reserva, saiu por pouco mais de quinhentos dólares. Era de grande marca, líder no segmento, americana, fácil de operar, relativamente rápida, e o que mais pesou na escolha foi o fato dessa marca manter uma ampla filial em Goiânia, até com assistência técnica.

 

Em casa, máquina instalada, feitos os testes, era perfeita : copiava, ampliava, reduzia, fazer um pôster para apresentação em congresso passou a ser moleza. Mas com menos de seis meses ela parou de funcionar.

 

Ao levá-la à assistência técnica da grande marca, ele foi muito bem recebido, preencheram seu cadastro, tudo certinho e testaram a máquina, que não copiou, como previsto. Mais fichas preenchidas (sempre por estagiários, rigorosamente vestidos à moda da multinacional : calças azul marinho e camisas brancas de mangas curtas, mas com gravata), e a recomendação foi de que em duas a três semanas seria apresentado um diagnóstico e um orçamento, eles ligariam avisando.

 

Passaram-se dois meses e o Pesquisador resolveu ir atrás do orçamento, a copiadora lhe fazia muita falta. Foi informado que a máquina havia sido enviada à matriz, no Rio de Janeiro, pois só lá é que mexiam com máquinas importadas. Em trinta dias teria o orçamento.

 

Passaram-se mais dois meses e o Pesquisador novamente foi atrás de alguma informação. Foi-lhe dito que o problema era grave, no "cilindro", que teria que ser importado, mas em sessenta dias estaria tudo resolvido, pois o processo de importação já havia sido iniciado.

 

Passados três meses, voltou o Pesquisador a buscar informações sobre seu equipamento, e desta vez o estagiário o levou a um superior, que o levou a um gerente, já no terceiro andar, que entre ligações e atendimentos paralelos, demorou exatos cinqüenta e dois minutos para lhe dizer que a copiadora estava disponível, e que não tinha conserto. Ela era de um modelo para venda exclusiva no Canadá, Estados Unidos e México, pois em caso de problema ela seria simplesmente trocada por uma nova, dentro da garantia de dois anos. Chamou o estagiário e deu-lhe instruções para devolver a copiadora ao Pesquisador. E assim foi feito.

 

Só que o Pesquisador, refletindo sobre a validade de levar para casa uma copiadora quebrada e sem conserto, pediu ao estagiário que o ajudasse a levá-la até o carro, no que foi atendido com presteza e sorrisos. O rapaz devia estar pensando "Deste estou livre".

 

O Pesquisador abriu a porta do carro, tomou a copiadora das mãos do estagiário e disse :

 

- Isto é lixo. E lugar de lixo é no meio da rua.

 

E atirou a copiadora para o alto. Ela caiu e trincou-se, mas não quebrou. Foi atirada mais uma vez, mas só na terceira é que se partiu em vários pedaços, levantando uma nuvem negra de um pó preto, o toner, que cobriu a rua. Enquanto isso, pelo menos meia dúzia de estagiários, agora já o chamando de "doutor", suplicavam :

 

- Não faça isso, Doutor, não faça isso.

 

E vieram mais estagiários e as faxineiras que limpavam os destroços e o pó. Sentiu-se vingado, mas não totalmente.  À noite, mais calmo, fez uma carta à matriz da multinacional americana que fabricava a copiadora, relatando o ocorrido. Em menos de 15 dias recebeu uma ligação internacional:

 

- Boa tarde. Aqui é fulano, da matriz da empresa X, não quero tomar seu tempo, eu só preciso de seu CPF e seu endereço para enviar-lhe uma copiadora nova.

 

Novamente em menos de 15 dias chegou a nova máquina, reluzente, garantia de um ano, que funcionou por um ano e quatro meses. Chamada a assistência técnica (atendimento terceirizado a domicílio, a filial já havia sido fechada), o diagnóstico foi preciso :

 

- Foi o cilindro, Doutor. É uma peça tão cara, que em vez de trocar compensa comprar uma copiadora nova, por causa da garantia!

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