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Homenagem ao Catarina (Drepo F70)

27/09/2015 - Por eduardo pires castanho filho
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MOACYR PEREIRA OLIVEIRA JÚNIOR (CATARINA F70)

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Catarina nasceu e se formou no científico em Florianópolis. Seu pai catarinense, e a mãe rio-grandense do norte resultaram numa mistura interessante, de sotaque inconfundível. Foi fazer agronomia atraído pela aventura e o fascínio do desconhecido, querendo se “libertar” de um certo provincianismo que via em sua terra natal. Em Piracicaba descobriu uma nova vida e aproveitou intensamente o ambiente acadêmico de então. Estabeleceu sólidas amizades com vários colegas, de todas as turmas, e especialmente comigo e com o Bessa, e costumava convidar colegas a irem passar férias em Floripa, na época uma ilustre desconhecida. Quando estava no segundo ano fomos a Salvador com mais seis numa Kombi: eu, Catarina, mais o Zanaga, o Bessa, o Fuad, o Bidu e o Zé Prefeito. Logo na chegada, depois de dois dias de viagem e uma quebra no meio do caminho, fomos dormir na Lagoa do Abaeté, absolutamente desértica na época, onde comemos uma divina peixada feita por um pescador local. Conhecemos os pontos turísticos locais, participamos de reuniões do movimento estudantil e tivemos dificuldades com alojamento. Na volta compramos, além dos inevitáveis berimbaus, dois saguis na estrada, os quais acabaram por morder todos os integrantes da “comitiva”, que ao chegar a Pira tiveram que tomar dezenas de injeções na barriga, já que um dos macaquinhos morreu e foi diagnosticado com hidrofobia.

O vírus da viagem atacou o agricolão e já em 1969, no final do 2º ano da ESALQ, ele e eu fizemos uma viagem de carona pela América do Sul, começando pelo Uruguai, indo para Argentina, Chile e Bolívia. Conhecemos as faculdades de Agronomia desses países onde, invariavelmente, fomos muito bem recebidos e “obrigados” a tomar muito viño e jogar futebol, não necessariamente nessa ordem. No Uruguai, logo que chegamos em Montevidéu dormimos nas barracas de banho da praia de Pocitos. Depois ficamos alojados no quarto “Inti Peredo”, na Escola da Agronomia, e tivemos contato com tupamaros, numa grande coincidência, porque ficamos no alojamento de um deles. Da Argentina guardamos poucas lembranças boas. Em Buenos Aires foi uma dificuldade para conseguir alojamento. Dormimos uma noite na Recoleta, ao relento, e depois fomos para o abrigo do Exército da Salvação. Saimos para Mendoza em uma viagem de 18 horas de trem. De interessante ficou a viagem pela Cordilheira e a travessia dos Andes por Puente de Incas, onde fizemos amizade com um casal argentino, com a posterior descida rumo a Santiago, num caminhão da JUC, pelos recém construídos Caracoles. Em Santiago ficamos hospedados no Hogar de Universitarios da Universidade de Chile, onde jogávamos muito futebol e depois tomávamos vinho branco com banana, um coquetel da casa. Visitamos e dormimos no estádio Sausalito, em Viña del Mar, onde o Brasil jogara em 62. Aí no Chile procuramos nos informar sobre a reforma agrária então em curso no País, tema proibido no Brasil, não obtendo esclarecimentos que pudessem ser trazidos para cá. Alcançado o objetivo da viagem e ainda com tempo e alguns dólares resolvemos esticar até a Bolívia, apesar da documentação precária: tínhamos apenas um “permisso” de turismo emitido pelo consulado brasileiro em Santiago. Fomos a Antofagasta, cruzando o magnífico Atacama, dormindo em quartéis, e subimos as cordilheiras de trem, passando por minas de cobre e pelo salar. Dentro dessa litorina eu tive uma baita crise renal e quase formos descobertos pela imigração. Passamos maus momentos em La Paz, com falta de ar, muito frio, e a pousada no talvez pior hotel do mundo (Residencial Liberty) e pouco dinheiro. Pegamos carona para Cochabamba num caminhão de garrafas e depois de conhecer o mercado cocaleiro de lá, rumamos para Santa Cruz de La Sierra, na companhia nada edificante do capitão que havia comandado a caçada ao Che. Já pensávamos na volta. Havia mochileiros de toda a América em Sta. Cruz, onde ficamos alojados na Escuela de Veterinaria, esperando o trem que iria para Corumbá. Encontramos aí inclusive dois piracicabanos, um dos quais também faria a ESALQ, o Flávio Leão (Urubu). Ao chegar a terras brasileiras comemoramos com muita Brahma na estação de Corumbá.

A terceira viagem também teve seus pontos de precariedade, mas muita diversão a aprendizado. Incorporamos um terceiro personagem à dupla: o Barraca. Saímos de São Paulo seguindo para BH de caminhão onde compramos a primeira edição do Pasquim, que acabara de sair. De lá fomos para Pirapora de trem. Aí conseguimos carona no vapor que iria a Petrolina e Juazeiro, onde queríamos conhecer o projeto de irrigação do São Francisco. A viagem levou mais tempo do que deveria por que rio estava seco e, além das inevitáveis encalhadas, houve uma morte durante o trajeto, o que obrigou o barco a deixar o falecido na Baía. Em Petrolina/ Juazeiro visitamos o recém instalado projeto de irrigação com as águas do Velho Chico. De Petrolina seguimos para Feira de Santana quando vimos pela TV a chegada dos gringos na lua, num posto de gasolina na BR-116, sob incredulidade geral. De Feira, seguimos para Itabuna onde nos encontramos com o Aquino e tomamos contato com a cacauicultura, além de conhecermos a nascente CEPLAC, dirigida por Alvim. Na volta resolvemos pegar um trem em Governador Valadares e fomos até Vitória, onde experimentamos a famosa moqueca capixaba. Em 68 tivemos que fazer o Tiro de Guerra, onde havia um bom contingente esalqueano. Foi um ano atrapalhado e cheio de peripécias quando até em controle de multidões fomos treinados. Catarina dirigiu junto comigo o Bishow de 1970, que acabou provocando certo furor por atacar a ditadura, de uma forma um tanto dissimulada é verdade, mas que causou temor por algum tipo de represália. Catarina participou ativamente de ações contra o regime militar, como panfletagens em fábrica, pichações pelo voto nulo, passeatas quando o pessoal de Ibiúna foi preso, mas, gostava mesmo era de uma boa festa “republicana”. Quando se formou teve convites para regressar a Floripa, mas, queria continuar em São Paulo e compôs durante quase seis meses um trio, comigo e o Zé Ricardo, para procurar emprego. No final de 1971 foi para o IPPH – Instituto Paulista de Promoção Humana, entidade com sede em Lins, que se propunha a um trabalho de corte fortemente social e junto aos pequenos produtores em Auriflama, no Noroeste de Estado, onde precocemente encontrou a morte, em 23 de fevereiro de 1973.

Eduardo Pires Castanho Filho (Drepo F70) Engenheiro Agrônomo, Ex morador da Republica do Pau Doce

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