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Dor de Cabeça (Pinduca F68)

12/06/2016 - Por marcio joão scaléa
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Ela começou num domingo de carnaval à tarde. Não era apenas uma dor de cabeça, era uma senhora dor de cabeça, daquelas de precisar de quarto escuro, de causar náuseas e consumir dipirona aos potes. O Pesquisador já tivera dores de cabeça, quem não as teve? Mas aquela era diferente, pois viera aparentemente sem causa : apesar de ser carnaval, não bebera. Apesar de ser domingo, não extrapolara na refeição. Estava aparando a grama do quintal, sem nenhum problema em especial que lhe causasse algum tipo de stress, não estivera forçando a vista em leitura ou excesso de televisão, e nem computador existia naquele início de década de 80. Mal e mal acabou a tarefa começada, nem recolheu a grama cortada, tomou um banho, que não aliviou a dor, e deitou, na penumbra. E ali ficou gemendo até segunda feira cedo, quando levantou melhor. Seria enxaqueca?

 

O Pesquisador continuou sua vida, mas em dois ou três dias ela voltou, avassaladora, quando ele fez um esforço muito grande, descarregando um saco de adubo de seu carro.  E assim passou a ser por muitas semanas, enquanto eram tomadas providências : um oftalmologista descartou problemas na visão. Um otorrino, após radiografias, descartou qualquer problema de sinusite e males assemelhados. Foi o neurologista, após eletroencefalograma e cintilografia, que deu o diagnóstico : cefaléia inespecífica pós esforço, ou seja, ele também não sabia o que provocava a dor de cabeça. E a vida continuou, primeiramente com neosaldina, depois com novalgina e finalmente com um forte analgésico, o parcel, o único a debelar a cefaléia. No início eram 1 a 2 comprimidos. Depois, 3 a 4. Últimamente 6 comprimidos de cada vez. O consumo desse remédio chegou a três caixas de 20 comprimidos por mês. Numa única viagem de Brasília a Cuiabá foram consumidos 16 comprimidos, graças à tensão, à alimentação errada, excesso de café e Coca Cola, e pelo menos três maços de cigarros.

 

Neste ponto o Pesquisador decidiu-se a aceitar a recomendação de sua esposa, indo atrás de uma consulta com o médium espírita que atendia como Dr.Fritz. Na visita anterior do médium a Cuiabá, o Pesquisador acompanhara sua esposa a uma consulta com o Dr.Fritz, e o que vira o havia impressionado muito : milhares de pessoas sendo atendidas numa tarde/noite, tumores sanguinolentos sendo extraídos de ventres em questão de minutos, sem anestesia, assim como o providencial alívio para as dores nas costas de que sua esposa padecia. Na visita seguinte obteve-se uma senha para atendimento, que seria feito em um ginásio de esportes em Várzea Grande, já que o médium havia sido proibido de atuar em Cuiabá.

 

Longa fila, que ao chegar próximo do médium se abria em duas : enquanto o paciente da esquerda era preparado, o Dr.Fritz atendia o da direita, e vice-versa. A poucos metros do médium, cada paciente recebia a atenção de um assistente, que anotava em um papel o nome do doente e o problema de saúde apresentado. Clima tenso, o ar parecia eletrizado, os pacientes se sucediam. O Pesquisador pode ver, de uma distância de poucos metros, enquanto Dr.Fritz retirava um tumor do seio de uma senhora. Enquanto era ajeitado na maca, o Pesquisador viu o doente da esquerda sendo atendido : sentado na maca o velho teve a cabeça deitada para trás pelo médium, que em seguida lhe introduziu uma pinça enorme envolta em gaze narina adentro, fazendo com ela rápidos movimentos circulares. Ao retornar a cabeça à posição normal, retirada a pinça, desceu de suas narinas um jorro de sangue escuro, aparado numa toalha, enquanto ele se erguia e caminhava, amparado pelo assistente. Estava muito pálido, mas não reclamava de dor e conseguia andar. O Pesquisador pensou : seja o que Deus quiser.

 

Mas qual não foi sua surpresa ao ver Dr.Fritz olhar para ele, balançar a cabeça e dizer, com forte sotaque alemão :

 

- Burro! Burro! Você fede cigarro! Enquanto não parar de fumar, dor de cabeça não para.

 

E espetou levemente uma agulha nas têmporas do Pesquisador, antes de se afastar, deixando algo escrito no papelzinho com o assistente.

 

O Pesquisador, meio decepcionado, ainda pensou ao se levantar : não precisava de um espírito para me dizer que cigarro me faz mal, disso eu sei, queria era saber como parar de fumar. Mas melhor isso do que algo mais complicado, pensou também. No papelzinho estava escrito : Beladona, 20 gotas (um analgésico natural).

 

Como não parou de fumar, o Pesquisador seguiu com sua dor de cabeça por mais cinco anos, até fazer um tratamento, sugerido pelo Amigo 5. Ao fim do tratamento, não fumava mais, assim como nunca mais teve a cefaléia inespecífica pós esforço.

 

O óbvio é óbvio, só um idiota não percebe.

Marcio João Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro

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