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Carta aberta aos Nordestinos - Preparem-se agora, pois a seca voltará (Jeep; F84)

28/03/2018 - Por alberto nagib vasconcellos miguel
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Depois de muitos anos da pior seca que o Nordeste já enfrentou, o sofrimento parece ter chegado ao fim. E, com ele, pode ter chegado ao fim todo o esforço da comunidade científica e administrativa, empregados com o objetivo de aprendermos a lidar com a seca. Temos, infelizmente, a memória curta. Verbas serão cortadas, programas de apoio serão eliminados, até que o ciclo se repita.

A seca, meus irmãos, não é uma punição divina, mandada para que o ser humano sofra as consequências de atos de desatino religioso. Nem tampouco é um castigo da Natureza, inconsolada com o desprezo e descaso deste mesmo ser humano para com ela, sua mãe.

A seca, meus irmãos, é um fenômeno natural. Ponto final.

A seca, meus irmãos, sendo um fenômeno relativamente comum em suas vidas, deve ser entendida como parte de um sistema global, onde forças conhecidas e desconhecidas atuam e que, quando alinhadas de uma determinada maneira, vão causá-la.

Mas porque nosso Nordeste, apesar de ter chuvas (irregulares e variáveis), sofre tanto com a seca? Não sabemos que ela virá? Não podemos nos preparar? Não seria melhor que, como boas formigas que somos, nos preparássemos para o "inverno", estocando nossa "comida" para não passarmos "fome" como a cigarra do conto?

Ah, dirão vocês, meus irmãos: nós nos preparamos!! Nós produzimos comida em excesso durante as chuvas, estocamos na forma de silagem, grãos, feno, todas as formas de estocagem que a boa tecnologia nos permite e oferece, para enfrentarmos a seca. Abrimos poços, fazemos açudes, cacimbas, desviamos rios, tudo o que nos é permitido para convivermos com ela. Mas ela nos vence.

Enormes esforços (trabalho) e enormes quantidades de recursos (naturais, econômicos, intelectuais) são empregados para o "combate" à seca, como se fosse possível evitá-la ou derrotá-la. Mas ela persiste. Indestrutível, invencível.

Porque todos os nossos esforços têm sido no sentido de atacar as consequências da seca, e não suas causas. Como assim?

Nós, para aumentarmos nosso estoque de comida, aumentamos o plantio de culturas anuais (com raras exceções). Com isso, aumentamos a oxidação da matéria orgânica. Diminuindo-se a matéria orgânica, diminuímos a espessura da "esponja" natural que a Natureza nos provê. E, ao diminuí-la, aumentamos o período de seca (menos água retida no solo, menos água para ser liberada para as plantas mais para frente).

Nós, para combatermos essa diminuição da matéria orgânica (esponja natural), fazemos açudes, desviamos rios, construímos barragens e cacimbas, estocamos água. Mas quanto de água deveríamos estocar? Por maior que seja seu estoque, se ele não é resposto a tempo, tende a se esgotar.

O açude de Orós, no Ceará, tem capacidade para armazenar 2.100.000.000 de metros cúbicos de água, recebendo carga de uma bacia de 25.000 quilômetros quadrados.

De acordo com o Natural Resources Defense Council (NRDC), (veja o link https://www.nrdc.org/experts/lara-bryant/organic-matter-can-improve-your-soils-water-holding-capacity para entender os cálculos e dados usados), um aumento de !% na quantidade de matéria orgânica em apenas 15 centímetros de profundidade do solo pode aumentar a quantidade de água retida no solo em até 25.000 galões de água por acre.

Transformando estes números em litros por hectare, teríamos um aumento de aproximadamente 220.000 litros de água por hectare (1 galão ± 4 litros de água; 1 hectare ± 2,2 acres).

Se nossa bacia tem 25.000 km2, estamos falando em 2.500.000 hectares. Assim, poderíamos aumentar nossa capacidade de retenção de água no solo em 550.000.000 de metros cúbicos, caso conseguíssemos aumentar a matéria orgânica em 1% nos primeiros 15 cm de solo.

Se usássemos a barragem de Sobradinho, na divisa entre Pernambuco e Bahia, os números seriam ainda mais impressionantes. Segundo a CHESF        (https://www.chesf.gov.br/SistemaChesf/Pages/SistemaGeracao/Sobradinho.aspx ), os dados são:

Área da bacia de hidrográfica drenada: 498.968 km2 , ou cerca de 50 milhões de hectares

Capacidade de armazenamento de água: 34.116.000.000  m3

Assim, fazendo-se os devidos cálculos, o mesmo aumento da matéria orgânica em sua bacia hidrográfica aumentaria a capacidade de retenção de água na bacia em aproximadamente 11.000.000.000 m3.

Imaginem qual seria a resposta do sistema natural se atingíssemos esse objetivo! Mais água, mais vida, mais plantas, mais matéria orgânica. Criaríamos um ciclo virtuoso, ao invés de permanecermos num ciclo vicioso. E estamos falando em apenas 1% em 15 cm. Esse teor de matéria orgânica pode ser alterado em até 1 metro de profundidade (6 vezes mais) e em mais de 1%.

Algumas outras consequências ao sistema natural (lembram-se do ciclo virtuoso? É o que queremos produzir) seriam o sequestro de vastas quantidades de carbono. Veja os números:

Matéria orgânica contém 58% de carbono. Em um hectare, teremos 15 cm de profundidade de solo em 10.000 m2. Se considerarmos uma densidade de 1,33 g/cm3, estaremos falando em 1.330 kg por m3. Assim, nosso aumento em matéria orgânica vai pesar: 0,15 x 10.000 x 1.330 x 0,01, o que será aproximadamente 20.000 kg. Se 58% disso é C, estaremos sequestrando, por hectare, perto de 12.000 kg de carbono por hectare. Se somarmos as bacias de Orós e Sobradinho, juntas, poderíamos ter sequestrado 630.000.000.000 de quilogramas, ou 630.000.000 de toneladas de carbono. Imaginem o efeito disto se somássemos todas as bacias do mundo!

Se diminuirmos a quantidade de água na atmosfera, capturando essa chuva com a matéria orgânica no solo, estaremos, então, desacelerando o ciclo da água. Essa água, capturada com o aumento da matéria orgânica, vai ser liberada mais lentamente aos seus pastos ou às suas culturas. A sua propriedade vai se tornar menos suscetível à seca, vai se tornar mais resiliente.

Conseguimos, assim, entender como nossa atividade pode alterar nosso ambiente. Mas, o que isso tem a ver com os irmãos do Nordeste?

Peço que aproveitem essa oportunidade, enviada pela mãe Natureza na forma de benção pelas chuvas, e façam o possível e o impossível para manter essa benção sob seus pés, nos solos que os sustentam e nas terras que lhes pertencem. Lembrem-se da máxima de que "Água que corre é água que morre", pois ela está indo para um lugar onde não vai trazer benefício algum a você ou à sua família.

Peço que manejem suas propriedades com um olho no presente (para que possam se alimentar) e outro no futuro, para que não percam de vista as benesses que a conservação dos recursos naturais pode trazer a todos vocês. Não se intimidem com o que o vizinho te fala. Não se intimidem com que o vendedor te fala. Não se intimidem com o que o cientista te fala. Você é o dono da propriedade, você tem o poder de decisão e só você sabe onde quer chegar. Escute, pergunte, consulte, mas seja você o responsável pela decisão que vai te levar ao sucesso, hoje e no futuro.

Entenda que tudo o que fizer para acelerar os ciclos naturais (ciclo da água, ciclo de nutrientes, a dinâmica de comunidades biológicas e o fluxo de energia através de seu sistema) pode prejudicá-lo ou ajudá-lo no futuro. Entenda-os (para maiores esclarecimentos, leia https://www.blogger.com/blogger.gblogID=7112571763065826187#editor/target=post;postID=909595121313533194;onPublishedMenu=allposts;onClosedMenu=allposts;postNum=51;src=postname .

Que as boas chuvas retornem, que os bons ventos as tragam, que suas colheitas sejam fartas e seus animais felizes. Que seus solos estejam preparados e que suas terras se enriqueçam, graças aos seus esforços e suas decisões.

 Colaboração do Gustavo DIas de Medeiros Netto

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